Eu acordo no meio da noite com meus olhos tremendo.
Não pelos mesmos motivos daquele dia que era o medo, agora meus olhos tremem pelo frio. O relógio de cabeceira da minha cama marca três horas da manhã e posso ver que está geando. Não é comum isso acontecer, não aqui em São Paulo.
Viro-me e observo-o dormindo. Apesar de ser meu primo, eu realmente o amo. Brenno é químico. Queremos ter um filho, mas eu não sei se deveria trazer uma nova vida a um mundo tão cruel. Apesar de que, eu sendo policial, consegui salvar a vida de várias pessoas.
Levanto da minha cama e desço as escadas. Sigo até a cozinha, pego uma caneca e coloco água. Observo a rua quando vejo a porta da casa dos vizinhos da frente aberta. Arregalo meus olhos e estranho, já que estamos na madrugada. Pego minha arma, desativo o alarme e saio de casa. Descalça. Sinto o gelo me acertar como se eu estivesse em outro país. Chego até a porta da casa de dois andares com sua cor bege desbotado. Adentro pelo lar segurando a arma para frente. Vejo que alguns quadros se encontram tortos e outros estilhaçados pelo chão. Pertubador.
Subo o primeiro degrau e sinto o piso ranger. A escada tem uma cor amarela, desbotada. É perceptível o desgaste dela.
Por que exatamente eu estou fazendo isso? Não conheço muito bem esses vizinhos. Escuto o barulho de uma voz de homem um pouco chiada vinda do andar de cima. Continuo minha caminhada, que parece não ter fim, até o segundo andar. A casa parece um lugar sombrio: perfeita para um filme de terror.
Ao tocar meus pés no último degrau, a voz silencia.
Escuto o barulho de alguém passando repetidamente algo no chão como se o estivesse riscando. Sinto meu corpo se arrepiar. Estremeço. A única luz acesa revela uma porta no fim do corredor. Continuo minha caminhada, quando escuto um pingo no chão bem ao meu lado. Era como se ele tivesse atingido cada ponta da minha audição. Fico imóvel por cinco segundos...
Até que aponto meu revólver para uma sala onde vejo apenas o formato das coisas. Parece um banheiro.
Mas não há ninguém.
Continuo caminhando pelo extenso corredor, quando sinto alguém correr por onde eu passei, fazendo meu corpo se arrepiar novamente e fico paralisada por mais três segundos. Mas não por muito tempo: sigo pelo caminho aonde ia. Aponto para mais uma porta e, quando tento abrir, está trancada. A luz começa a oscilar, fazendo meus batimentos aumentarem. Chego até a última porta. Toco a maçaneta e ao olhar pra cima, a luz se apaga.
Abro a porta, amedrontada, com meu coração saindo pela boca, quando um abajur se acende no quarto. Posso ver que o local é decorado com um papel de parede bege com vários naipes das cartas do baralho como estampa. Parada, entre a porta e o corredor, sinto alguém me observar.
Até que me questiono: quem teria acendido a luz?
Viro minha cabeça de supetão para trás. Silêncio. Mas ali está um garoto me observando com os olhos escuros, quase pretos. Sinto meu corpo estremecer. Os quadros na parede ao redor dele entortam-se lentamente e cinco deles se estilhaçam no chão. Meu corpo vai para trás no susto, mas sem ceder pergunto:
— Quem é você?!
Silêncio.
Continuo a observá-lo, quando a porta atrás de mim bate. Dou um grito e me viro tampando a boca. Ao olhar para frente de novo, ele continua lá, mas acompanhado do som de crianças rindo e passos apressados delas. O garoto revela um machado vermelho que está atrás de suas costas, e o arrasta vindo em minha direção fitando seus olhos aos meus, sem mudar de expressão.
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Não Rebobine Esta Fita
Mystery / ThrillerApós o misterioso assassinato de seu ex-marido, a policial Silmeria Leux se vê obrigada a se mudar para a casa onde ocorreu o crime, numa pequena cidade do Texas. Entretanto, após ela se instalar no local, a taxa de mortalidade aumenta de forma drás...