Hardcore

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Eu sempre quis viver uma loucura. Mas quando pensamos em loucura, damos um prazo limite para ela. Nunca, em nossa insanidade, existe a possibilidade da brincadeira se tornar real. É mais segura deixá-la apenas no devaneio, onde podemos fantasiar sem medo de ser julgados, a nível de um fetiche incompreendido revelado, além de permanecermos na segurança do silêncio anonimato do coração desejoso, daquilo que é impronunciável.

- Você tem uma caneta a mais? Guilherme você ouviu o que eu disse?

- Hã? - eu direcionei minha atenção para Maurício, voltando do meu transe. Minha mãe sempre me apelidava de "Guilherme, o sonhador", por conta desses momentos constantes em que eu saio de mim, mas nos últimos dias era mais constante. Acho que eu estava passando por algum desses momentos cruciais na vida em que você repensa tudo.

- Eu perguntei se você pode me emprestar uma caneta? - Maurício estava com a mão estendida para mim.

- Ah, claro! - eu respondi rápido, tentando disfarçar minha distração. - Toma! - coloquei uma caneta preta em sua mão.

- Obrigado! - Maurício agradeceu. - E vê se acorda. O professor já te encarou umas dez vezes.

Não que a aula de Química dos Alimentos estivesse chata. Eu adoro o meu curso: Química Industrial. Mas é que, depois de uma sexta-feira pesada naquela loja de roupas cafona, sendo salivado por aquele gerente chato, resmungão e que tem um bafo horrível, nem o Homem de Ferro aguentaria; minha vida chata e seu eterno ciclo estressante.

Essa sem dúvida foi a pior fase da minha vida. Eu tinha um namorado doce, fofo, atencioso, romântico, mas que não me fazia... Não me fazia... estremecer. Sentia-me culpado por pensar essas coisas. Eu deveria agradecer por ter Maurício. Ele era perfeito! Apesar de quase nunca me fazer sentir prazer de verdade quando transávamos (eu imitava os gemidos, às vezes). Não poderia ser diferente, dois passivos fingindo que são versáteis, alimentando uma expectativa falsa de que o espírito de um macho viril e ativo, emergisse durante nossas demoradas massagens recíprocas, antes do finalmente, que sempre era um infelizmente. Não tinha como dar certo. Com o tempo, só um bom sexo oral não é suficiente, pelo menos para mim, eu precisava de um macho na minha cama.

Eu e Maurício, em todos os departamentos nos completávamos, mas na cama...

No intervalo dos meus pensamentos, eu olhei para o lado, sem um foco direto, meus olhos encontraram os do Breno. Senti um frio correr pela minha espinha. Quem é Breno? Bom... Ele aquele cara que você tem dúvida de que lado pertence: trevas ou luz. Tem bastante tatuagem no corpo, cada uma mais sexy que a outra. Usa o cabelo bem curtinho, quase raspado. Um porte militar, mas uma cara de moleque levado. Mau, para ser mais preciso. Ele sempre mexeu comigo, desde o primeiro dia de faculdade, rolou até um ciuminho da parte de Maurício, coisa pequena, mas aconteceu, e eu até gostei, achando que isso poderia incendiar a nossa relação, mas só foi uma faísca passageira. É o problema do depósito de expectativas em outra pessoa.

Breno me encarou profundamente, e não recuou, mesmo vendo que eu o tinha flagrado. Seus olhos negros eram penetrantes. Me despiam. Perfuravam-me. Faziam com que eu me sentisse uma presa prestes a ser atacada por uma pantera, mais negra que a noite em breu.

- Próxima aula, quero um relatório do conteúdo. É só! - O professor encerrou a última a aula da noite. E eu me senti muito aliviado, pois não estava rendendo nada ali.

Os alunos saíram desesperadamente, como se estivessem brincado de "quem sair por último é a mulher do padre". Eu e Maurício sempre éramos os últimos a deixar a sala.

- Você quer ir para a minha casa hoje, Guilherme? - Maurício me perguntou.

- Ah, amor, desculpa, eu estou muito cansado - fiz uma cara de exausto. Na verdade, essa era quase sempre a minha cara.

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