2. Acolhida

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Acordei com a minha tia me sacudindo. Ela parecia um tanto estressada enquanto falava meu nome repetidas vezes.
- Só mais cinco minutos mãe! - eu disse enquanto me virava. Uma dor aguda tomou conta das minhas costas e levantei arfando. Só então notei que dormira no banco reclinado do carro. Coloquei a mão nas minhas costas e olhei para minha tia, que me fitava com impaciência.
- Já acordou Bela Adormecida? - Ela disse com sarcasmo
- Não! - acompanhei-a com o sarcasmo - Meu príncipe encantado ainda não me deu um beijo! - Ela riu e afagou o meu cabelo, depois saiu do carro. Abri a porta e me levantei. Gemi quando a dor aumentou. - Nunca mais durmo no carro!
- Que bom que aprendeu a lição! - ela sorriu - Bem vinda a sua nova casa!
As palavras me atingiram como um tiro e eu cambaleei involuntariamente para trás. Casa? Eu estava em casa, sem meus pais e meu irmão. Meus olhos se encheram de lágrimas e tentei impedi-las antes que Tia Jé visse, mas já era tarde. Ela pareceu se magoar quando percebeu minha expressão, quando percebeu as lágrimas que agora rolavam soltas pelo meu rosto. Ela deu um passo em minha direção.
- Tudo bem! - Eu tentei sorrir - Eu tenho que me acostumar! Essa agora é minha casa! - Aquelas palavras doeram em minhas entranhas. Respirei pesadamente e fui em direção ao maleiro para pegar as minhas coisas. Minha tia me seguiu sem dizer nada.Eu entrei na casa e um "flash" da minha primeira vez ali me alcançou. Era a
mesma sala com chão de tacos, os sofás que eram marrons agora eram brancos. Uma estante de mogno segurava a TV, DVD e outros aparelhos eletrônicos, enquanto uma mezinha de centro sobre um tapete em tons de mostarda completava
o local. Caminhei até a cozinha, que era exatamente igual à última vez que estive ali, os armários brancos e marrons com uma mesa de granito no meio. Havia uma sala de visitas ao lado da cozinha com sofás e poltronas em tons de amarelo e uma pequena mesa no centro, com um banheiro ao lado. Subi as escadas que davam em um corredor com três portas. Uma era outro banheiro, a outra era o quarto de minha tia, e a outra era, enfim, o meu quarto. Eu sabia por que quando estive ali, eu dormira nesse quarto, o único quarto disponível da casa. O único lugar que não me trazia lembranças dolorosas de minha família. Eles nunca estiveram nesse quarto comigo. Havia um armário embutido marrom claro e uma cama encostada na parede ao lado da janela. De um dos lados da cama havia uma mesa-de-cabeceira e do outro, uma escrivaninha com um computador, perto da janela. Em cima da escrivaninha havia algumas prateleiras.
- Espero que você consiga deixá-lo do seu gosto. - disse minha tia na porta - Vou preparar algo para comermos. Está com fome? - Balancei a cabeça negativamente - Bom, então vou deixá-la sozinha!
Ela colocou o resto das minhas malas ao lado do armário e saiu fechando a porta atrás de si. Suspirei e me joguei pesadamente na cama e, antes que eu pudesse impedir, estava agarrada ao travesseiro chorando.
Abri os meus olhos para a escuridão profunda. Levantei-me e olhei o relógio na mesa-de-cabeceira. Duas e meia da manhã. Olhei para mim mesma. Eu estava de jeans, camiseta e tênis. Abri minhas malas, peguei meu pijama e fui tomar um banho. O toque da água no meu corpo era relaxante, reconfortante. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas desligar foi triste. Troquei-me sem pressa. Quando terminei, escovei os dentes e penteei os cabelos. Entrei no quarto e suspirei. Não me sentia cansada
o suficiente para dormir de novo, então me ajoelhei ao lado das malas e comecei a arrumar minhas coisas.
Devo admitir que fazer aquilo era meio deprimente, significava que ficaria ali por um bom tempo, tipo, até me formar. Suspirei de novo. Eu queria que tudo tivesse sido um sonho, que agora eu acordaria ou alguém entraria no quarto e diria: "brincadeirinha!"! Mas eu sabia que isso não aconteceria. Eu sabia que agora teria que suportar a dor da perda e seguir em frente! Mas como? Como poderia deixar meu passado para trás e seguir em frente? Como poderia esquecer aqueles que me criaram, me ensinaram a ser quem eu sou hoje? É impossível! Senti algo quente e úmido descendo pelo meu rosto, mas não precisava tocar para saber que eram lágrimas. Suspirei e senti o cansaço tomar conta de mim de forma súbita. Deitei-me em minha cama e fechei os olhos, e não demorou para que eu dormisse novamente.
O vento brincava com meu cabelo enquanto eu caminhava sob o céu nublado. Eu sabia que viria uma tempestade, mas não me importei e continuei, seguindo em frente, só não lembrava por que. Até que avistei algo ao longe. Não entendi o que era, então corri até me aproximar o bastante para entender e parei bruscamente. Meu corpo estava largado no chão, todo ensanguentado. Um menino estava de costas para mim, só seu cabelo negro visível, continuando a esfaquear. Olhei para o lado e vi o corpo dos meus pais e do meu irmão, arfei e depois gritei com a maior potência que consegui. Alguém me chacoalhava com força e eu abri os olhos para uma claridade ofuscante.
- Tudo bem querida, passou, foi só um pesadelo! - Minha tia me abraçava. Só então percebi que era um sonho. - Quer me contar? - Balancei a cabeça negativamente e minha tia se levantou e foi até a porta. Parou com uma mão na maçaneta. - O almoço está quase pronto, quando estiver pronta é só descer! - Ela saiu e fechou a porta. Suspirei e me levantei. Fui até o banheiro e penteei o meu cabelo castanho claro enquanto pensava em meu pesadelo. Desci as escadas e almocei quieta, ainda pensando, quando minha tia interrompeu meus devaneios.
- Você vai à aula amanhã. - ela disse em um tom responsável - A escola encomendou seu material, que deve chegar ao meio da semana. Eu sei que você não deve estar pronta ainda para encarar os colegas, mas já estamos no meio do segundo bimestre e você não pode ficar perdendo aula! - Ela disse encerrando o assunto. Apenas assenti e terminei de almoçar quieta. Passei a tarde inteira trancada no quarto arrumando-o e a noite, tive um sono sem sonhos, finalmente.
Acordei com o despertador tocando e levantei num pulo. Desliguei-o e me arrumei com roupas simples, uma blusa escarlate com calça jeans e tênis. Desci as escadas e tomei café com minha tia rapidamente, enquanto ela se desculpava por não poder me buscar na escola, me explicando detalhadamente, diversas vezes, como voltar para casa enquanto eu anotava. Ela me deixou em frente ao portão verde desbotado da escola Luzia, onde vários alunos entravam e conversavam animados. Respirei bem fundo e entrei. Caminhei em direção à secretaria, onde fui atendida por uma mulher que aparentava ter uns trinta anos, os cabelos pretos entrando em contraste com a pele clara e de aparência delicada.
- Você deve ser a aluna nova, certo? - balancei a cabeça positivamente e ela continuou - Seja bem vinda a Escola Luzia! Aqui estão os seus horários e o mapa da escola - ela disse enquanto me entregava dois papéis e apontava para cada um deles. Eu disse um pequeno obrigado, mas antes que pudesse ir em direção a porta, ela se levantou e fez uma cara séria - Meus pêsames pela sua família, querida! - Ela disse e depois se sentou e voltou aos seus telefonemas. Eu a encarei lutando contra as lágrimas que queriam desesperadamente escorrer pelo meu rosto. Saí da sala ás pressas e comecei a prestar atenção nos meus papéis, procurando a sala da minha primeira aula. Por sorte era História e eu era ótima em História! Estava tão distraída procurando as salas, que não vi e esbarrei em um menino. Nós dois caímos e nossas coisas se espalharam.
- Desculpa! - eu disse enquanto pegava minhas coisas.
- Tudo bem! - eu terminei e fui ajudá-lo - Você é nova por aqui? - Ele perguntou fitando meu rosto - Eu nunca te vi antes! - ele se levantou e estendeu a mão para me ajudar
- Ah, na verdade eu sou! Cheguei aqui sábado! - ele estendeu a mão para mim.
- Eu sou Flávio e você? - Eu peguei sua mão.
- Melissa. - Eu então olhei para ele de verdade. Ele tinha cabelos castanhos curtos e os olhos do mesmo tom do cabelo.
- Qual sua próxima aula?
- História.
- É a minha também! Podemos ir juntos? - eu assenti e nós fomos andando. Não tivemos muito tempo para conversar, porque a sala era logo ao lado e o sinal já ia bater. Eu entrei e me sentei ao seu lado, atrás de uma menina de cabelos ruivos e pele clara e em frente a uma menina com pele chocolate e cabelo negro, escorrido até o ombro. Eu pude ouvir a ruiva cochichando com Flávio, e segundos depois da aula começar - com o professor Luis, um homem muito interessante de cabelos brancos - ele me apresentou para ela. Nós conversamos sobre de que cidade eu tinha vindo e outras coisas, a de cabelos negros entrando na conversa. Os nome delas eram Patrícia Spoletto - a ruiva - e Ana Barbel. Os três eram muito legais e engraçados. Até que a Ana me perguntou:
- E então Mel, - ela disse enquanto anotava o que o professor Luis escrevia no quadro - o que fez você se mudar para Luária?
Fiquei tensa e entrei em desespero. Eu não queria dizer, não queria que tivessem pena de mim. Eu não suportava olhares de dó, como o da recepcionista. Por sorte, o professor interrompeu.
- Estou atrapalhando alguma coisa?
- É claro que não professor! - Ela fez cara de inocente - Eu só queria que a aluna nova se sentisse bem-vinda!
- Hora, não tinha visto que temos um rosto novo por aqui! - Ele sorriu para mim - como se chama?
- Melissa, Melissa Martinz.
- Martinz? Eu conheço esse nome! É o sobrenome de um grande empresário que recentemente teve quase a família toda brutalmente assassinada na... - Ele percebeu o que estava dizendo e me olhou como quem se desculpa - Você era... Você é... - Ele não conseguiu terminar a frase.
- Filha dele? Sim, eu sou filha de Carlos Martinz. - Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu tentei segurá-las sem muito sucesso. Era só o que faltava. Chorar na aula de História. Todos dirigiram os olhares para mim, principalmente Ana, que parecia culpada.
- Eu sinto muito! - Ele disse - Vá lavar o rosto! - eu assenti e saí, antes que mais alguém pudesse falar alguma coisa. Eu entrei no banheiro e encarei o meu rosto no espelho, e depois sentei embaixo da pia e chorei. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas mesmo quando o sinal tocou, eu não me mexi. Algumas garotas entraram no banheiro, mas nenhuma delas me viu. Até que duas garotas em especial entraram no banheiro.
- Mel? - elas chamavam enquanto abriam as portas dos boxes - Mel! - Ana parou em frente a pia e se abaixou até poder me olhar nos olhos - Mel eu sinto muito! - Ela disse e me abraçou - eu não queria te lembrar daquilo, era só curiosidade! Me desculpa! - Em pouco tempo a Pati também estava me abraçando.
Eu fiquei totalmente sem palavras. Nós acabamos de nos conhecer e elas já me abraçavam de forma tão... Amigável! Como se fossemos amigas há séculos e não minutos. Pela primeira vez, em tempos, eu me senti em casa. Definitivamente, Acolhida.
Na saída da escola, as meninas me levaram em casa, principalmente porque era caminho da casa da Ana. Eu me sentia "feliz", pelo menos feliz o possível com o peso absurdo da perda pairando sobre mim. O que não era muito, eu confesso. Meus sentimentos estavam sensíveis e qualquer palavra dita por mim ou outra pessoa podia abrir a cascata e me fazer chorar como um bebê.
Eu cheguei entediada e liguei a TV a tempo de ver passar o fim do jornal que falava sobre o super empresário que havia sido brutalmente assassinado com a família e que só havia sobrado a filha mais nova, pois ela estava em uma festa no momento do crime. Lágrimas caíram dos meus olhos quando a foto do meu pai foi exibida na tela. Eu subi as escadas correndo e me tranquei em meu quarto, abraçando meu travesseiro e chorando. Com o tempo eu adormeci.

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⏰ Última atualização: Aug 11, 2016 ⏰

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