As vezes, a vida tem a capacidade de nos surpreender de maneiras inesperadas. Ela nos faz pensar que algo vai acontecer e então, em fração de segundos, tudo o que pensamos estar certo, cai por terra e vemos uma realidade completamente diferente. E então, quando finalmente conseguimos digerir o que aconteceu, é que temos uma das melhores sensações que podemos experimentar: alegria!
Todo início de ano escolar é uma tortura para mim. Meu pai faz questão de levar eu e irmão para a escola nesses dias e, por mais que ele esteja diariamente nos noticiários oficiais, as pessoas agem de maneira estranha. Elas nos cumprimentam com espanto, batem palmas, algumas fazem reverências e outras simplesmente ficam sem reação, como se estivessem congeladas. E eu odeio isso!
Porém, como se não bastassem todas as pessoas agindo de maneira exageradamente estranha, ainda tenho que suportar os APS - Agentes de Proteção Soberana. Eles são responsáveis pela nossa segurança, o que significa que nos seguem para todos os cantos impedindo que alguém nos ataque. Como se, a cada corredor, houvesse alguém só esperando para nos dar um tiro ou nos esfaquear. Eu acredito que isso seja completamente desnecessário, mas papai insiste que eles me acompanhem e, por esse motivo, eu não tenho opção.
Hoje não foi diferente. Papai acompanhou a mim e a Oliver - meu irmão mais velho - até a escola e fomos recebidos na porta da escola com uma salva de palmas. Quando entramos no prédio as coisas não melhoraram nem um pouco. Sendo seguidos de perto por nada mais nada menos que seis APS, fomos até a diretoria pegar o horário das aulas.
E foi então que as coisas começaram a ficar realmente difíceis. O diretor da escola insistiu que papai fizesse um discurso de iniciação de ano letivo para toda a escola. Ele tentou recusar, disse que tinha muitos compromissos, mas o diretor insistiu e disse que a cerimônia não precisava durar mais de quinze minutos. Meu pai, como sempre educado e agradável, aceitou o convite e, quase que imediatamente, seu assistente começou a escrever em uma folha de papel enquanto éramos guiados até o ginásio da escola.Nos dirigimos para um pequeno palco no centro do ginásio. O diretor nos apontou três cadeiras e nos assentamos nelas, com os APS ainda ao nosso redor.
O diretor, como de costume, deu início a cerimônia. Ele falou sobre como era importante estarmos ali e como seria o decorrer do ano. Logo após isso, todos nos erguemos para cantar o hino de Ayrus. E então, assim que o hino acabou, o diretor anunciou o discurso de papai. Meu pai se levantou calmamente, o silêncio dominava o ginásio. Ele se dirigiu até o microfone e começou a fazer seu discurso.
Qualquer um sabia que não era meu pai quem montava seus discursos, afinal ele tinha coisas mais importantes a fazer, mas papai poderia ter feito qualquer um acreditar no contrário. A maneira como falou a todo aquele mar de pessoas, fazendo com que todos ficassem absolutamente quietos, como se o menor ruído pudesse atrapalhar, foi incrível. Eu sempre me orgulhei de conseguir me comunicar bem, mas isso não era nada comparado ao meu pai. A maneira como ele conduziu o discurso foi, literalmente, digna de um soberano. Eu sabia que ele havia sido treinado para isso assim como eu estou sendo. Afinal, ele é o soberano de Ayrus e, se eu for azarado o suficiente, talvez um dia esse seja o meu papel também.
Quando papai terminou de falar a multidão se ergueu, em uma salva de palmas. Senti quando Oliver me cutucou, indicando que eu me levantasse e batesse palmas também. E foi o que fizemos. Os aplausos duraram no mínimo três minutos, o que fez as palmas das minhas mãos ficarem avermelhadas e doloridas.
A cerimônia se deu por encerrada e o diretor nos apontou a pequena escada na lateral do palco, por onde havíamos chegado até ali. Fomos em direção a ela e começamos a descer, primeiro papai, depois Oliver e então eu. Minha cabeça transbordava preocupações e ansiedades. Me distraí por um segundo e... De repente me vi caído no chão. As risadas preencheram o amplo ginásio e eu senti minhas bochechas corarem. Tateei o chão a procura de meus óculos até que senti a mão de meu pai em meu ombro, os óculos entre seus dedos. Ele me ajudou a levantar.
-Obrigado! - eu disse, envergonhado. Poderia sair correndo dali a qualquer momento.
-Você está bem? Não se machucou? - disse ele rapidamente, claramente preocupado.
-Estou bem! Meus joelhos doem um pouco, mas tudo bem. Podemos sair daqui?
E foi o que fizemos. Saímos as pressas do ginásio e prosseguimos o dia como se nada tivesse acontecido. Papai foi para casa e eu e Oliver permanecemos na escola.
No entanto, no fim do dia, me tranquei em meu quarto e chorei. Podia ouvir as risadas e os comentários humilhantes, todos dirigidos a mim. Eu me sentia humilhado. Tinha certeza de que as fotos estariam em todos os jornais no dia seguinte. As lágrimas rolavam pela minha face enquanto eu tinha cada vez mais certeza de que odiava o cargo que ocupava. Além disso, um par de óculos se encontrava em meu rosto, o que completava ainda mais a humilhação. Afinal, como o filho do Soberano de Ayrus poderia ter herdado um defeito? O que isso significava? Será que os Green ainda eram os mais qualificados para governar?
Não era a primeira vez que essas perguntas me atormentavam e, por algum motivo, sabia que não seria a última.
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Hacker
AdventureEdward Green nunca foi um garoto comum. Desde pequeno ele já podia perceber que não se encaixava no que as pessoas consideravam "normal". No entanto, agora que completou 15 anos, isso ficará ainda mais claro. Um amigo com um passado desconhecido ir...