Prólogo

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Então vamos lá, né? Espero que gostem ;)

(Próximo Capítulo: 22/8. Motivo: Meu outro livro "Quia Nominor Libertas" ainda não terminou. Por isso só vou postar um capítulo essa semana, para honrar o compromisso que eu tenho, com meus outros leitores, antes de me jogar, com a cara e a coragem, para vocês).

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Optamos, eu e meu irmão, de contar tudo numa voz que não se define, terceira pessoa, dizem. Muita gente querendo contar seus próprios causos e, depois de muita briga (o leitor sabe como são os arranca-rabos nessa casa), venceu a voz mais ou menos neutra. Em algumas horas, vai dar para perceber quem é que fala – alguns defeitos a gente até esconde, mas não faz milagre, não.

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Era o Deus e o Diabo na terra de barro batido. Deus em forma de cavalo, diabo em forma de mulher. O maxilar dela dói todo dia de manhã e ela não reclama: podia ter morrido. Dor é a lembrança de que está viva. Seu maxilar de aço é feito para tomar pancada, o corpo aguenta, cada coice e cada briga em que se mete prova que está cada dia menos Botelho e mais Bianca – se é que Bianca é esta carcaça grossa e dura, corpo arado pela vida e coração esmagado pelo tempo.

Sozinha na agora sua casa, da janela do quarto via a janela do quarto da irmã, blindada de tudo e todos. As luzes acesas, ela vê, a Dê está de pé. Escovou-se, banhou-se sem firulas nem ornamentos, sem nunca se sentar na banheira luxuosa que tinha só para si. Acordava cedo no tempo frio, sempre antes das cinco da manhã e passava, mesmo sem querer, quinze minutos sem conseguir levantar. Todo dia era esta tortura. Quinze minutos em que tem que convencer o corpo de que precisa levantar.

Ela tem a terra que quer, o Jockey que sonhou, os cavalos mais bonitos e mais fortes, um harém de cavalo caro e prestigioso. Os velhos da Comissão de Hipismo estão satisfeitos, as baias de seus cavalos estão sempre limpas, não tem caubói metido a macho, nem que a desobedecesse. Já teve, mas agora, não tem mais. Todos a respeitam pelo que ela é, pelo que ela tem, pelo que Bia Botelho fez que fosse seu nome.

Então porquê... Então por que essa tristeza, Bia? Por que estes olhos baixos e esta feição observadora? Onde foi que você deixou morrer a Bia Botelho que calava homem feito e pegava na jugular de qualquer um que lhe ameaçasse as irmãs?

Alice e Andressa não precisam mais dela. A pequena é arquiteta formada, com emprego bom, com amigos ao redor. A grande é administradora, dona de Jockey com mãos de ferro, casada com um príncipe lindo que a faz feliz do jeito que todo pai sonha para a filha. E ela? Trinta e um anos de mulher feita, vivida, linda como poucas. Herdou todos os chapéus do vô e todos os louros dele. Anda por aí exibindo os cintos do vô de coração e não tem um fulano que diga que ela não honre as calças que veste.

Bia não é mais macho que muito homem, a Bia é mulher por inteiro. E isso assusta um bocado, até a ela, que prendeu a viver menos como mulher e mais como um peão bruto que não perdoa e não se esquece de ninguém.

Os homens dividem mulheres em duas categorias e Bia não se dá em nenhuma: não é mulher para casar, não é mulher para comer. Quase não é mulher, mas o pé pequeno, a cintura fina e o coração oco dizem que é.

Por isso, preferia andar sozinha a andar com homens pela metade. A Bia de vinte e um anos já dizia o que esta Bia quer dizer, mas não sente vontade. A Bia de agora não tem vontade de dizer nada, o silêncio para esta Bia, depois que voltou de Portugal e da Coudelaria é tudo o que sobra.

Nada mais de piadinhas ou tiradas inteligentes. O Lipe é o único que arranca, sem não antes sofrer debaixo de uma chuva de xingamentos, um sorriso ou dois, dela. O Lipe é o único cara que merece, que consegue furar fundo a couraça e trazer a Bia feliz um pouco para a borda – não porque é especial, mas porque fez por merecer. Bia olha a Dê, corada, feliz, radiante e grávida e não pode ficar mais contente. A Dê de vinte e sete leva a vida que a Dê de dezessete sonhou, com o homem dos sonhos dela e com tudo o que quer ao seu redor.

REPOSTAGEM - O Último Homem da Minha Mulher Sou EuOnde histórias criam vida. Descubra agora