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1414 do 2º Ciclo, Terras Livres.

Os tempos eram difíceis, pois o reino sangrava em guerra. Não se podia mais navegar sossegadamente pelos mares em busca de peixes, nem tanto adentrar as florestas mais ao sul de Peher,  o caminhar livremente estava condenado por toda extensão das Terras Livres – Como assim chamavam este reino – A tristeza estava estampada nos rostos daqueles que vagavam pelas ruas das cidades assim como a fome e a miséria estava cravada nos subúrbios que só cresciam cada vez mais. Além disso, o dito inverno, mesmo não sendo grotesco o bastante por ali, dificultava a vida de todos.

Mas, a jornada desta estória malcontente começa em um cenário ainda minúsculo: Em uma pequena casa aos redores da grande cidade de Peher ao norte, em uma pequena vila, vivia uma família. Uma família de humildes camponeses que pobremente se sustentavam daquilo que plantavam e daquilo o qual a rua havia de provir. Um honesto homem de feições maltratadas pelos verões rigorosos e sua mulher de aparência parecida cuidavam de vários filhos nessa pequena casa, cinco famintos eram eles. Dentre as frestas entre as madeiras podres e sujas e a umidade que caíra durante as noites das frequentes goteiras do teto, era perceptível, obviamente, que ali não havia o ostentar de nenhum tipo de riqueza, apenas, aquele que ainda se obstinava a continuar firmemente em pé, a qual ouro nenhum poderia comprar: O tal amor. 

Neste palco, a mulher, bela, chamava-se Ne'me - Um nome sem origem, no qual apenas expressava um amontoado de sons. Ela estava esperando uma criança há oito meses, sua barriga apontava agudamente para seu norte, evento este que animava a todos na região. A infantilidade sempre traz novos sentimentos as pessoas, mesmo que elas estejam sem nenhum deles.  

O bom homem, por sua vez, no qual era chamado de Smir – Em homenagem a um grande guerreiro dos países do Sul, feita pelo seu pai, assim como a metade dos homens assim fizeram nesta época – de tão bom que era, tão terrível com as artes do aço, de nome que não lhe pertencia tão esquecível e desapropriado, não pôde ser deixado para trás e fora atraído para a tormenta.

Foi convocado para tais batalhas. 

Neste período, qualquer homem que conseguisse empunhar uma espada e ficar aprumado iria para aquela guerra, sem questionamentos, mesmo aqueles com muitos ou poucos anos de vida, mesmo aqueles com ou sem esperança. Esta não era uma escolha. Assim como todos aqueles que partiam, sua mente estava entrelaçada apenas a uma coisa, a unica que realmente tinha.

Sua ida foi inevitável. A carnificina desordenada e a, talvez, perda inevitável para a família o aguardava sorrateiramente. Estavam a ser deixados por aquele o qual lhes ensinava o pouco que sabia sobre o mundo, aquele o qual lhes atentava para os trejeitos da vida, que guiava os esforços nas lavouras e que abastecia a casa com suas batatas e rabanetes. 

Em uma chuvosa e alagada tarde uma das caravanas reais bateu a sua velha porta e aquilo o que mais temia na vida acontecera. Um último olhar para trás, um último adeus, tudo isso o deixara choroso. A visão de sua pequena casa, com sua mulher e as crianças acenando com uma feição tristonha era atormentadora, fora aquela que ele guardou em sua memória até seu derradeiro momento.

Logo após isso, o que ambos trilhavam em comumera um tempo de longa espera. Os dias de marcha para os focos de batalha eram intermináveis para ele, enquanto a angustia pela volta de seu marido e a chegada de uma nova criança a deixava um tanto depressiva e ansiosa. Eram caminhos que aos poucos se distanciavam para um encontro inesperado.

Depois de alguns dias, arrastados pelas estradas barrentas, Smir, pela primeira vez em sua vida empunhava uma espada - Se assim podia se chamar um pedaço de ferro enferrujado - Alguns barcos ancorados nos portos de Peher esperavam a todos para o embarque. Ele não entendia o motivo de tal guerra, assim como a maioria dos que lhe acompanhavam, não entendia o porquê de pessoas tão pobres irem à frente de batalha. A maioria deles nem se quer vestia uma armadura, alguns deles esforçavam-se para segurar suas armas. Era um contraste caótico e inexplicável de pessoas tão fracas e com tanto medo em um cenário tão grandioso e impiedoso.

Lágrimas de PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora