Delicadamente, Seu amor, Vicente.

O Começo.

   Em seus últimos momentos de vida, ele disse que queria, que eu tinha, que eu lesse as suas cartas depois de que morresse. Ele disse que eu ficaria com muitas dúvidas sobre as cartas, mas que ao acaba-las de ler eu teria todas as minhas perguntas esclarecidas. Lembro-me exatamente de como ele me pediu para ler suas cartas, e de como a morte estava mais próxima do que nunca naquele dia. Seus olhos sempre esperançosos e alegres, agora, estavam totalmente tomado pela tristeza e por um grande vazio que essa maldita doença lhe causou. Essa doença que invadiu as nossas vidas, estragando tudo, nossas futuras viagens, nossos futuros filhos e filhas, nossa vida social; Principalmente nossa vida social. Nós já sabíamos que com a AIDS perderíamos vários contatos sociais, mas quando nos demos conta só tínhamos uma amiga. Eva, é uma menina maravilhosa, inteligente, bem humorada, simpática e super gente fina. Se você precisa de algo, ou alguém para te consolar, ela é a pessoa certa, ela é demais. Foi ela quem me ajudou quando eu mais precisava, quando eu nem tinha conhecido o Vicente. A conheço desde quando eramos pequenos, nossas mães eram amigas e foi através delas que nos conhecemos e vivemos varias aventuras, varias mesmo, foi por ela que conheci o Vi.

   Vicente é o amor da minha vida, por isso que eu acho que foi a melhor e a pior coisa que me aconteceu. Sim, a pior. Pois quando você conhece uma pessoa e sabe que somente ela vai te entender em todos os momentos, vai estar contigo em todos os momentos, e, vai te apoiar pra sempre é difícil aceitar que ira viver sem ela. E se você fica na merda e essa pessoa não esta ao seu lado, não por opção, mas simplesmente porque você a perdeu para sempre. Poque a morte a levou; você não sabe mais como viver, porque você se tornou dependente dessa pessoa. Você depende dela para sorrir, para chorar, até para acordar, porque você sabe que quando você acordar, ela vai estar ali do seu lado, ou dormindo, ou te observando dormir. E que quando você abrir o olho, a primeira cosa que você faz é virar de lado para beija-la, mesmo estando com bafo, você nem liga, porque o que mais te importa e beijar aqueles lábios todas as manhas, porque ai, só ai, você sabe que começou outro dia. Eu sou um ser dependente. Sou dependente de uma droga chamada "Amor de Vicente."

   Mas, como tudo na vida tem um lado bom (sim, tudo mesmo!) é muito bom você gostar de alguém, amar, sonhar com esse alguém saber que, o que você sente é reciproco. Nisso eu não posso negar, tive muita sorte. Assim que meus olhar se deparou com aqueles olhos azuis, simplesmente não pude resistir, ainda mais ele sendo mais velho, e muito gato.

   Quando eu lembro quando nos conhecemos eu fico triste, porque aquele, esse, é nosso começo, e agora que eu olho para ele e o vejo nessa cama de hospital a beira da morte me lembra que nossa historia esta se acabando. E não podemos sair, não podemos viajar para curtir as ultimas horas que nos restam, ou até mesmo para fingir que nada aconteceu, ou fugir daquilo tudo. Só o que posso fazer é ficar ao seu lado, mas para mim isso já basta, claro que não era o que eu mais queria no momento com ele, ficar ao lado dessa maca, no hospital, o lugar que nós mais odiamos pois achamos entediante demais. Porém, é o que eu posso fazer, o que nos podemos fazer. Já estando ao seu lado é tudo o que basta para me deixar bem.

   E la estava eu, mexendo em seu pouco cabelo castanho claro que lhe restava, ele havia tomado uma decisão e eu a respeitarei, claro que eu tentei fazer ele mudar de ideia, mas ele, sempre decidido do que quer e do que faz, não me deu ouvidos. Vicente havia pedido para que parassem com a quimioterapia e que desligassem os aparelhos que conseguiam o deixavam "vivo". Se fosse para ficar sobrevivendo de aparelhos, ele preferia aceitar que tinha chego a sua hora e partir desse mundo. Daqui a alguns minutos a enfermeira iria vir e checar tudo, para que depois os médicos viessem e desligassem todos os aparelhos. Eu tinha que olhar para ele e absorver cada detalhe seu, ele também olhava para mim. Seu olhar era o mesmo desde que o vi me olhando pela primeira vez que nos vimos, que nos beijamos, que transamos. Aquele olhar que transmite ternura, carinho, amor e paixão, só que um pouco de pena, de tristeza. E eu o olhava com todo o amor que eu tenho. Silencio. Era o que prevalecia. Até que ele se esforçou e disse:

   "Amor, quero te pedir uma coisa. Em cima do nosso guarda roupa, na parte direita, terá uma caixa um pouco grande até, da cor azul escuro, tipo um azul marinho com um laço rosa amarrado de enfeite. Pegue-a e abra, nela terá todas as minhas cartas de desabafos mais pessoais da minha adolescência, dos meus segredos que você jamais saberia. Quero que você leia, leia cada palavra daquela merda, entendeu?" disse é perguntou olhando no fundo dos meus olhos. Eu apenas assentei, sentindo uma lágrima quente descer pela minha bochecha, ele automaticamente a secou, e começou a chorar também, e eu saquei todas as lágrimas que saíam de seus olhos quase sem cor. Eu sacava as dele. E ele sacava as minhas. É agora. A enfermeira entra no quarto e diz que está na hora.
   Eu o olho pela última vez, ele me olha pela última vez. Demos o nosso beijo de despedida entre as nossas lágrimas. Beijos de despedidas são horríveis, porque você sabe que nunca mais poderá ter e sentir esses lábios novamente. E é ainda mais horrível quando se trata do único grande amor da sua vida.
   "Senhores, sinto muito mas estamos atrasados já. Lamento muito por isso, mesmo." Foi mais do que perceptível a dor e sinceridade no tom da enfermeira. Nossos lábios se separam, e nos olhamos.
   "Você vai ficar bem, eu sei que você vai, você é lindo e pode encontrar outro, melhor que eu até."
   "Ninguém será melhor que você Vicente."
   "Eu sei, só disse isso pra... Sei lá porque eu disse isso!" Nós rimos, até a enfermeira deu risada.

    Ele sabe ser engraçado até nas horas mais tristes. 

  "Senhor, o senhor precisa ir, sério. E tem que ser agora."
  "Okay, já estou indo. Eu te amo Vicente." disse olhando nos seus olhos.
  "Eu Te Amo Leonardo."
  "Esse vai ser o nosso adeus?" Perguntei
  "Creio que sim. Não esquece de ler as cartas!"
  "Não irei esquecer."
  "E não esquece de mim."
  "Jamais irei esquecer você!"
  "Me too honey!"

  Eu, com toda certeza que tenho neste pequeno munda, nunca me esquecerei dessas palavras, dessas ultimas palavras do meu grande e único amor verdadeiro!