A lenda, o mito, as cercas envolvendo o mistério, os passarinhos que faziam suas casas em cima das pilastras esquecidas... Enfim, o oculto lado do metrô seria descoberto. GRAÇAS A DEUS, a inauguração chegou. Um dia antes do fato acontecido, os noticiários do Brasil inteiro paravam para mostrar esse milagre! Depois de infindos CATORZE anos, enfim, o povo soteropolitano poderia dizer iria andar nos trens do metrô.
Mas, tinha uma rua em que o povo não estava muito animado para isso não. A minha rua continuava da mesma forma. Festa e mais festa, mas ninguém ia para a festa de inauguração. Foi quando eu entrei nas redes sociais e vi o manifesto! Era um complô! Ninguém em sã consciência que se atrevesse a ir aquela festa. Iriam todos pegar buzú lotado, mas não iriam.
E chegou o dia! Acho que pela primeira vez em oito anos de governo, a delícia do governador nunca tinha acordado tão cedo. Todos estavam lá! Inclusive o prefeito, não dava para vê-lo muito não, porque era o mais baixinho. Só que todos os políticos estavam lá, mas faltava o principal: o povo. O povo não foi. Ninguém apareceu! Isso ficou e ficará eternamente na história. Vejo avôs levando seus filhos a Fonte Nova, passando pelo Metro e lhes contando a revolução soteropolitana. Vejo mulheres contando a suas amigas que naquele dia memorável ela preferiu chegar atrasada a ter que olhar para a cara do governador.
O primeiro dia foi um fracasso e o ego dos rodoviários só aumentou. O dia foi um caos, mas ninguém ousou reclamar. “Era o mínimo que podíamos fazer depois de catorze anos!” diziam algumas vozes. Por que esse protesto? Para mostrarem do que o povo era capaz e que tudo estava nas mãos do povo. O partido do governador ficou desesperado! Um mês antes das eleições e os soteropolitanos, simplesmente, não apareceram na festa do metrô! Apelaram para todos os santos, mas pela primeira vez na história da Bahia com “h” no meio, o povo em peso mostrou a sua voz. Só que o metro tinha que ser usado e esse dia tinha chegado.
E esse dia foi a quinta-feira. Dias depois da segunda trágica. “Ah, não to a fim de ir de buzú hoje, não.”, “Oxente, menino! Já tem metrô, né? Hoje eu vou nele.”, “Ôh, véi. Bora andar de metrô?”. E todos lá foram contemplar a obra faraônica de CATORZE anos. Mulheres que prometeram levar suas filhas, que na época tinham um ano, para um passeio de metrô, levaram as filha e os netos. Avós que foram andar antes que a morte os carregasse e grávidas que fugiram do tumulto.
Isso não deu certo.
Ônibus não saíram das garagens em sua totalidade e as Topics ( ou besta, como pode ser chamado no seu estado) nem tiveram o trabalho de sair dos estacionamentos. Eu, como ávida cronista, fui lá sós para dizer-lhes, caros colegas, que com fúria soteropolitana não se brinca. Acho que pelo menos um milhão de pessoas resolveram ir de condução diferente para o trabalho, escola ou qualquer outro lugar. “Como assim, oxe? Baleiro não é só de buzú”. A confusão mal tinha começado.
Foi quando estudantes começaram a ser culpados pela bagunça. “Que miséria esses estudantes vieram fazer aqui.”. E aí, os estudantes revidaram, coitados, sempre os culpados de tudo que acontecia nos coletivos: “ Se saia, vá meu tio, que eu tenho os mesmos direitos que você tem. E os incomodados que se mudem.”, “Vem amigaaaa, vamo tirar foto pra postar no Instagram”. Mas, também tinha a galera que ouvia som alto. Sim, eles migraram! “Ôh, véi. Desliga esse diabo, aê. Que metrô é só pá gente educada”... E o dia foi assim... Cheio de barracos, de encontros e desencontros. De noite, foi noticiado que metade dos funcionários do metrô já tinha pedido demissão. “Nasci pá aguentar isso não, moça. Tá entendendo? Eu vim do interior pá ter coisa melhor na minha vida. Esse povo daqui de Salvador é doido, avemaria!”
Na sexta-feira o negócio estava mais calmo. Policias apareceram, as redes de televisão também e as barraquinhas de doce chegaram para adoçar a viagem dos passageiros. Tudo parecia voltar ao normal, o metrô com menos confusão contribuia com a felicidade no final de semana, tudo muito calmo. Até que se ouviu uma voz no infinito que dizia “ ARRASTÃÃÃÃÃÃÃÃO”. Salve-se quem puder.