André

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O apartamento era grande e arejado. A decoração, moderna e de bom gosto, mesclava papéis de parede aconchegantes, com móveis de design arrojado e peças divertidas, imprimindo assim a personalidade do casal no ambiente. Em uma das paredes laterais da sala, havia um mural de fotos contendo dezenas de sorrisos, beijos e olhares apaixonados, registrados para toda a eternidade.

Seria um apartamento digno das melhores revistas de decoração, não fosse por um pequeno detalhe: tudo nele estava fora de lugar. Fora decorado há alguns anos para ser o lar de um casal recém-casado querendo ser feliz em todos os sentidos; receber os amigos, descansar depois de um longo dia de trabalho e, logicamente, passar bons momentos a dois. Porém, no momento, ele estava completamente abandonado. Quem morava nele já não mais se importava com decoração, com visitas, momentos a dois ou com felicidade.

André, que analisava aquela bagunça com seu senso crítico, estava esparramado na sua poltrona de leitura. Às vezes ele perdia o seu olhar em Juli, do outro lado da sala, e suspirava sentindo-se angustiado por não entender no que ela havia se tornado. Era domingo de noite, últimas horas do final de semana. No passado, ele e Juli curtiam essas últimas horas como quem aproveita o último raio de sol em um dia de verão. Hoje eles também estão juntos... Na mesma sala, porém, em lugares diferentes. Fisicamente juntos no mesmo ambiente, mentalmente distantes um do outro.

Alguma aconteceu ou será que eu fiz algo de errado? — refletia, com os olhos grudados em Juli.

André gostava de observar a esposa quando ela estava distraída. Reparava em seus cabelos, nas expressões espontâneas de seu rosto, na covinha que se formava quando sorria, no brilho dos seus olhos... Hoje, portanto, o que via era uma mulher apática, com cabelos sem brilho, com o corpo precisando de cuidados e com o olhar distante, quase entediado.

Na cozinha, o interfone tocou, mas Juli não se moveu do sofá onde assistia à televisão.

— Atende para mim. — pediu ela, sem ao menos olhar para ele.

André deixou o jornal que tentava ler de lado, levantou-se de sua poltrona e foi atender o interfone.

— É o lanche que você pediu. O motoqueiro está na portaria. — avisou, já de volta à sala.

— Você busca pra mim? Estou de pijamas e com preguiça de colocar uma roupa só para ir lá...

— Eu busco. — antecipou-se ele, com sua habitual gentileza.

As coisas entre André e Juli não fluíam muito bem nos últimos anos. Enquanto Juli fingia, para André e para ela mesma, que estava tudo bem, André se esforçava para tentar agradá-la no dia-a-dia. Ele cedia aqui e ali, bancava o psicólogo nos dias de TPM, buscava o diálogo pacífico nas brigas e discussões, tentava mostrar que eles ainda podiam ser felizes... Se realmente quisessem. André sonhava com os dias alegres e tranquilos do passado; em fazer os programas despretensiosos que curtiam fazer; em ter de volta a Juli divertida e de bem com a vida que conheceu há seis anos.

Apesar de saber que seu casamento já não era mais o mesmo, ele ainda cultivava a esperança de que eles voltariam a ser o casal apaixonado de outrora.

Enquanto esperava pelo elevador, André mexia no molho de chaves que estava dentro do bolso de sua calça de moletom. Tirou o pequeno molho de lá de dentro, olhou para o chaveiro em formato de um Fusca e sua mente o jogou de volta para o dia em que ele pediu Juli em casamento.

Quando seu namoro com Juli completou um ano, André decidiu que aquele era o momento certo. Conversou com seus pais, como sempre fazia quando precisava tomar qualquer decisão importante em sua vida, e colocou o seu plano em prática. Preparou com bastante antecedência o presente que escolhera para ela, planejou um jantar em seu apartamento e comprou uma pequena caixa de veludo azul escuro.

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⏰ Última atualização: Mar 29, 2019 ⏰

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[degustação] A Segunda Vez Que Te AmeiOnde histórias criam vida. Descubra agora