Capítulo XII

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XII

Feito isto, deixei no dia seguinte os que ficavam na ilha e dirigi-me para bordo. Estando já tudo preparado para largarmos a vela imediatamente, não pudemos levantar âncoras naquela noite. No outro dia, de manhã muito cedo, chegaram a nado junto do buque dois dos cinco desterrados, queixando-se dos seus três companheiros e suplicando-nos em nome de Deus que os recebêssemos a bordo, mesmo que tivessem de ser logo enforcados, pois os outros queriam assassiná-los. O comandante fez-lhes ver que nada podia fazer sem minha autorização mas, após algumas dificuldades da minha parte, e uma promessa solene da sua, recolhemo-los a bordo. Pouco tempo depois foram açoitados e castigados, portando-se a partir daí como homens honrados e ordeiros.

Durante a preia-mar mandou-se a terra a chalupa carregada com vários objectos que eu prometera aos desterrados. O comandante acrescentou, a meu rogo, as suas arcas e fatos, que eles receberam com muitos agradecimentos. Disse-lhes também, para os animar, que se pudesse mandar-lhes algum barco para os tirar dali, não o esqueceria.

Despedi-me da ilha, trazendo para bordo como lembrança o grande gorro de pele de lama que fizera, o chapéu-de-sol e um dos papagaios; também não me esqueci do dinheiro que já mencionei; tivera-o guardado durante tanto tempo sem lhe tocar, que estava completamente oxidado, e só dificilmente o teria podido fazer passar por prata, sem antes o esfregar e limpar. Trouxe também tudo quanto havia encontrado no buque espanhol.

Assim abandonei a minha ilha em 19 de Dezembro de 1686, como vi nos cálculos que fiz no buque, após ter nela vivido vinte e oito anos, dois meses e dezanove dias. Fui libertado deste segundo cativeiro no mesmo dia do mês em que anteriormente fugira, numa chalupa, da escravidão dos mouros de Salem.

Ao cabo de uma larga viagem chegámos a Inglaterra em 11 de Junho de 1687. Tinha passado trinta e cinco anos em países longínquos. Na minha pátria parecia-me tudo tão estranho que quase sentia um pouco de saudades da ilha.

A boa senhora, em cujas mãos eu deixara uma parte do meu dinheiro, ainda vivia, mas achava-se numa situação difícil. Auxiliei-a em tudo quanto a minha curta fortuna o permitia. Dirigi-me então para o condado de Yorkshire. Havia já muito tempo que os meus pais tinham falecido e, de toda a família, apenas estavam vivas duas irmãs e dois filhos do meu irmão. Como havia já anos que eu fora dado por morto, tinham repartido a herança paterna sem levar em conta os meus interesses.

Decidi ir para Lisboa, onde contava saber mais pormenores sobre a situação das minhas plantações no Brasil. Acompanhava-me o meu criado Sexta-Feira. Na capital portuguesa, para grande alegria' minha, encontrei um amigo antigo, o comandante que me levara no seu barco depois da minha fuga da escravidão africana. Já estava muito velhinho, abandonara a navegação e cedera o barco ao filho, que continuava o comércio com o Brasil. O velho comandante não me reconheceu, mas lembrou-se logo de seguida assim que lhe disse quem era.

Contou-me que não tornara ao Brasil desde há coisa de nove anos. Na altura da sua última viagem o meu sócio ainda vivia, embora já tivessem morrido os dois administradores, em cujas mãos fiéis depositara o meu quinhão. O comandante acreditava que eu recuperaria a maior parte dos lucros das minhas plantações.

Arrumei os negócios em Lisboa e enviei, pelo primeiro barco que partia para o Brasil, um documento completo e legalizado, acompanhado de uma procuração redigida por um notário. Poucos meses mais tarde chegou a resposta dos parentes dos meus dois administradores. Trazia, entre outras coisas, uma relação precisa do produto das minhas plantações nos anos passados e um resumo acerca do investimento do meu capital. Com isto vinha ainda uma carta do meu sócio, que me felicitava com palavras cordiais pela minha salvação e me fazia um relato extenso do que entretanto acontecera. Resultava, pois, que eu era possuidor de uma fortuna superior a cinquenta mil libras esterlinas.

Robinson Crusoe - Daniel DefoeOnde histórias criam vida. Descubra agora