Com o pano quente e úmido sobre a testa feminina, Martha limpava a pele leitosa da garota adormecida há duas semanas. Mais magra e visivelmente abatida, Awa se recuperava com uma lentidão alarmante. Era difícil alimentá-la, apesar de Alexsander se encarregar dos banhos completos e refeições, ver a menina nesse estado deixava a velha senhora se sentindo mal.
Limpou o rosto de Awa e deu-lhe água, com cuidado, para depois rumar à sala de seu patrão, onde o mesmo aguardava por alguma notícia.
Olhando pela vidraça, conseguia ver as tulipas vermelhas já mais secas.
O homem não exibia qualquer expressão, apesar de uma enorme amargura estar ressoando dentro de si.
As batidas na porta despertaram sua atenção e ele virou-se, soltando um audível "entre" enquanto atravessava o cômodo.
― Então?
― Ainda não.
― Deve ser logo. ― Ele respirou profundamente. ― Cuide de tudo até eu voltar. Não tire os olhos dela.
― Quanto tempo?
― Estarei de volta em julho de 2018. ― Naquele momento, Martha arregalou os olhos, não sendo capaz de esconder a surpresa.
― Eu não vou estar viva, senhor!
― Claro que vai. ― Ele a encarou seriamente. ― Se você morrer eu vou saber, não se preocupe.
― Mas-
― O carro está pronto?
― Sim... ― Martha teve de se esforçar para manter a voz firme. Sabia o que ia acontecer quando Awa abrisse os olhos.
Em silêncio, ela o acompanhou até o Cadillac 1955 preto, lavado e polido, apesar de há tempos não ser usado, Alexsander sabia que se girasse a chave, o motor ia rugir.
Ele entrou no carro vendo a mala de couro no banco de trás e colocou a mão sobre a chave que jazia na ignição.
― Até breve, Martha. ― Alexsander encarou a idosa com olhos ameaçadores. ― Cuide de Awa como se fosse sua filha.
― Cuidarei, senhor... Até breve.
O som do motor se apossou de toda a garagem e o ruivo fez um breve aceno à velha senhora antes de dar ré, manobrando, e sair pelo caminho de pedras brancas.
Enquanto isso, os olhos verdes se abriam para visualizar o teto branco e distante. Ela piscou diversas vezes, fraca. Sentou-se, o estômago revirando lhe obrigou a se pôr de pé e se apoiar na parede, apossada pela tontura. A ânsia veio, mas tudo que Awa vomitou foi suco gástrico e água.
Recuperava-se, com os pés molhados no vômito, quando o som atípico invadiu os tímpanos. Próxima à janela, debruçou-se, vendo o caminho de pedras ser cruzado pelo Cadillac preto que acelerava perante os pesados portões se abrindo.
Um calafrio percorreu sua espinha. Aquela era a primeira vez que via tais portões abertos ou aquele carro ligado, mas não teve muito tempo para pensar já que uma nova ânsia moveu uma cambaleante Awa em direção ao banheiro.
Os minutos sentada no chão com tudo rodando foram absolutamente aflitos. Awa se perguntava quem tinha saído do castelo naquela velocidade, deslizando pelos cascalhos e pela neve. Perguntava-se quando tempo tinha dormido para estar mais magra e tão fraca.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Sentimento Solúvel - (COMPLETO)
ParanormalNos tempos atuais, em um castelo isolado nos Alpes Franceses, se esconde um incubus. Seu nome é Alexsander Mordoren, e ele é mais antigo que as pedras que constroem o castelo onde habita. Alimentando-se de jovens virgens por todos os séculos de vida...