Ele olha, e a onda quebra.
Não gosta da praia, nem do Sol, e muito menos do sal.
Mas precisava da água fria em seus pés, de um barulho que o ensurdecesse e – ultimamente - um terreno macio em que pudesse caminhar sem o machucar. Uma brisa suave e o som das ondas para contrapartir com o som de brigas sem fim eram bem convidativos também.
Talvez, o único traço de realidade fosse seus sapatos em mãos. E as lembranças.
Um coqueiro e um pobre coitado dormindo tostado. Deu todo seu dinheiro da carteira em troca do facão e um coco aberto.
Então, joga os sapatos ao mar. Pra que merda precisaria deles? O que ele perdera em apenas uma dormida do sol, provavelmente nem em vinte safras de cana-de-açúcar recuperaria: Uma filha, uma companhia e sua auto-estima. Em baixa, junto com seu humor. Seus três amores.
Com o facão arrastando, vai desenhando na areia molhada uma linha sinuosa por onde passa.
Mas odiava o sal, a praia, o mar...
Já o Sol, tinha toda aquela força, encarando-o brilhantemente, sem nem titubear. E já era novamente hora de seu cochilo. Podia se apoiar na esperança do fanfarrão lhe dar um dia melhor quando acordasse, como nos velhos tempos. Talvez nem o odiasse, aquele grande e escroto Sol.
Então parou. Contemplou o céu róseo.
E, antes que se fosse por completo, entendeu tudo.
O sol mudara seu dia e sua vida várias vezes, mas nunca desfez nenhum. E notou, que por mais que o maldito o manipulasse, nunca desmanchou nenhuma de suas lembranças. Continuavam intactas e teimosas em não ir com os sapatos.
Desgostoso, levantou e seguiu sua andança. Detestava aquele sal, aquele mar e como o Sol sorria maroto para ele. Então, olhou sua mão esquerda com o anel.
Como ela leva tantas lembranças?
Decidiu cortá-la fora. Afinal, o facão estava limpo de qualquer afetividade para com ele.
Ele realmente odeia esse sal, Sol, céu e esse mar.
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