Capítulo XIV

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Anippe Mahlab

Quando me levanto da cama no meio da noite e espero Akira aparecer, é como se eu tivesse um déjà vu do dia em que ele, Malika e eu furtamos o cartão SD com os dados sobre nossos pais. Naquela ocasião, minha repugnância por ele era tão imensa que mal conseguia permanecer ao seu lado sem sentir um incômodo quase insuportável. Hoje, a situação é bem distinta, e sorrio sozinha com a perspectiva de vê-lo.

Caminho com toda a leveza que consigo para não alarmar Malika e Aisha, que dormem em suas camas estreitas e forradas por lençóis claros.

O quarto que ocupamos é amplo e completamente branco, assim como todo o resto da casa onde nos hospedaram/prenderam. Toda a mobília é de madeira rústica, sem dúvida construída aqui mesmo nesta aldeia. Há um pequeno roupeiro no canto, três beliches, uma mesa baixa, e é só. Aisha se empenhou em tentar decorar o ambiente para transparecer o mínimo de feminilidade e aconchego, assim, arrumou algumas flores num vaso e colocou sobre a mesa. Não fez diferença praticamente nenhuma, mas colocá-las aqui parece tê-la feito feliz.

Ponho uma blusinha azul marinho, calças escuras e uma jaqueta preta flanelada. Está um pouco grande em mim e não condiz com minha noção de moda, mas foi o que me deram aqui na aldeia. Há de servir.

Pego algumas coisas que podem ser úteis no roubo, e, não pela primeira vez, sinto uma terrível falta do meu arco. Desde que a OCRV me capturou, nunca fiquei tanto tempo desarmada. Mas Débora e seus capangas confiscaram todas as nossas armas.

Ou melhor, nem todas.

Sorrio levemente quando puxo o forro da minha mala, agora vazia. De lá de dentro, tiro uma lâmina curta, com uns 10 centímetros de comprimento. Ela está enrolada num pedaço de lona lisa, e a escondo entre minha roupa e minha pele.

Ponho a mala de volta em cima do roupeiro, e calço sapatos que forrei com tecido flanelado, o que me deixa praticamente inaudível. Assim que abro a porta e saio, dou de cara com Akira, encostado na parede do corredor e olhando para o teto. As luminárias noturnas que estão distribuídas pelo corredor permitem que eu o veja. Ele me encara, e sorri.

— Eu estava esperando ver uma camiseta branca novamente. — Akira se desencosta da parede e dá um passo na minha direção. — Uma regata quase transparente. Estou um pouco decepcionado.

Balanço a cabeça e rio. Me aproximo e dou um tapa na testa dele.

— Deixe de ser safado. Temos um objetivo aqui.

— É verdade, o objetivo aqui é outro. — Ele se inclina na minha direção. — Você vai arrancar minha camiseta?

Passo a mão nos cabelos, e ergo uma sobrancelha. Ele brinca com a sorte. Vejo sua camisa branca e as bermudas escuras, e o olhar brincalhão e provocante escapando entre as pálpebras. É incrível como olhos tão pequenos causam um impacto tão grande. Meu pensamento voa até apenas algumas horas antes, debaixo daquela parreira. Ainda não me permiti pensar naquilo, é como se eu estivesse guardando a emoção pra sentir depois. Ou adiando ao máximo para assumir algo para mim mesma. Algo que não sei se estou preparada para admitir.

Akira movimenta a sobrancelha, fazendo-me uma pergunta silenciosa. Por que é tão lindo?

Não acho que alguns segundos vão nos prejudicar.

Puxo o colarinho da camisa dele e escorrego os dedos pelos seus cabelos. Sinto suas mãos chegarem à minha cintura. Akira me gira e me empurra de encontro à parede, colando seus lábios nos meus. Posso beijá-lo um milhão de vezes, a cada vez parece diferente. Parece melhor.

Ele interrompe o beijo.

— Não começa — ele diz, colado com a minha boca. Sinto sua respiração nos meus lábios. — Não devemos acordar ninguém, se lembra?

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