Volta às aulas

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            Quando minha mãe entrou no quarto para me acordar eu já estava quase pronto. Eu nunca estava pronto para ir à escola, tão pouco motivado. Nunca tive motivos para gostar daquele lugar. Além de não me dar bem com os estudos também não o fazia com meus colegas. Mas desta vez não ia para estudar ou me dar bem com alguém. A idéia era ver até onde eu conseguiria levar meus novos dons sem me complicar. Seria um tipo de playground. Essa era minha motivação.

- O que é isso, Haroldo – Minha mãe ficou espantada – Vai virar estudante modelo? Devolve meu filho – E me lançou seu sorriso mais meigo. Antigamente me sentia feliz com isso, agora me dava vontade de fazer-la sofrer.

- Se quiser tiro o uniforme e fico deitado até a hora do almoço, sua escolha.

Ela me lançou aquele olhar de repreensão carinhosa, e isso me fez decidir realmente a fazer sofrer. Pena que na hora minha imaginação me abandonou, senão começaria naquela hora.

Depois do café matinal minha mãe me levou até a escola. Como de costume desci na entrada frontal enquanto ela dirigia até o estacionamento de funcionários, que ficava na esquina atrás do grande prédio de cinco andares que abrigava o colégio. Até hoje entrar na escola era um ritual bastante previsível. Quase todo mundo me ignorava, e quem me notava parecia estar rindo de mim ou planejando me sacanear. Mas nesse dia tudo começou diferente. Estava evidente que ninguém me reconhecia, mas atrair olhares simpáticos era uma grande novidade. Desde quando passei por essa mudança até ontem eu provei o gosto de poucas pessoas. Agora eu conseguia sentir dezenas ou até centenas de pessoas ao mesmo tempo. Uma orgia. Um banquete.

Já sabia, graças a minha mãe, para qual sala me dirigir. No caminho evitei o Magno, diminui meus passos quando o vi ao longe rumando para o banheiro e me mantive fora de seu campo de visão. Logo depois cumprimentei Dimas rapidamente, quando o vi galanteando uma roda de garotas, e mantive firme o passo para que ele não tivesse tempo de resolver ser legal comigo. Com a Rachel foi mais complicado, pois estávamos na mesma classe. Porém ela teve seu uso.

Entrei na sala e as pessoas ainda estavam de pé logo antes do professor aparecer alguns passos atrás de mim. Como ela estava perto da porta, e próxima do grupo das gatinhas da sala, resolvi cumprimentar-la estrategicamente. Consegui dosar um beijo no rosto com calor o bastante para passar uma imagem de carinhoso ao mesmo tempo em que não demorei a seu lado, para também parecer despojado, me dirigindo rapidamente para o lugar vago mais longe dela. Funcionou perfeitamente!

- Quem é esse cara? Aluno novo? – Cochichou euforicamente uma das garotas para Rachel e as amigas, tentando não ser ouvida por mais ninguém. Eu ouvi.

- É o Haroldo, vocês não se lembram dele? – Retrucou Rachel, indignada com a falta de atenção da colega ao mesmo tempo em que se esforçava para esconder o ciúme.

- É o irmão da Catarina, aquele que estava no hospital – Disse Bia, uma das garotas mais lindas do colégio. Pele bronzeada, cabelo cacheado castanho claro, lindos olhos verdes que pareciam um par de esmeraldas e um corpo simplesmente perfeito. Ela também tinha Glauco, seu namorado, que era maior que um gorila alfa, notando claramente como ela ficou atiçada com minha presença. Senti seu olhar de ódio, à minha direita, durante toda aula. Eu nunca tinha sentido aquilo antes pois, de fato, nunca fui odiado, apenas desprezado ou repudiado. Para os outros nunca pareceu ser pessoal, apenas um tipo de esporte, mas não para o Glauco. Esse é o primeiro cara que senti querer me matar de verdade. Isso só piorava enquanto as três meninas passavam a aula inteira cochichando coisas gostosas sobre mim. Eu ouvia perfeitamente o que nem pessoas próximas a elas conseguiam. Só imaginei como ele se sentiria caso escutasse pelo menos metade do que sua namorada dizia sobre mim.

Em momento algum senti raiva do rapaz, sequer amerecida pena. O que eu sentia era totalmente diferente. Naquele momento algunssentimentos outrora comuns, como raiva, ódio, medo, vergonha ou paixão, já nãofaziam mais sentido algum, apenas lembrava vagamente de como eram. O que sentinaquele momento foi apenas tesão e fome, misturados, não como sentia antes, mascomo um novo sentimento. Então decidi que meu teste seria esse casal.    

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