Amélia deslizou seus pés pelas folhas alaranjadas e secas provenientes do outono. A lua cheia estava a postos no céu escuro, circundada por milhares de pequenos pontinhos luminosos. Então, ela gargalhou, em alto e bom som.
Algumas pessoas a chamavam de louca; outras gostavam de pensar que era apenas uma menina alegre. Para ela, pouco importava.
Era época de colheita de café. Os mais espertos sabiam que o mais seguro era trancar bem as portas e as janelas à noite, além de permanecerem silenciosos. Quem se arriscaria a perturbar os grandes lobos?
A curiosidade fazia seus olhos grandes e escuros brilharem. Amélia não tinha medo dos lobos. Na verdade, ela pensava que aquilo tudo era bobagem demais, apenas uma invenção dos adultos para que crianças como ela não saíssem às ruas.
Seus pés pequenos e delicados a levaram para frente, para mais perto dos grãos miúdos e vermelhos que se acumulavam sobre grandes lençóis brancos. Amélia abaixou-se, tomando algumas bolinhas vermelhas em suas mãos, levando-as a boca.
O sabor do fruto do café era amargo, forte. Milhares de vezes melhor que o processado.
O vento soprou forte, fazendo seus cabelos alaranjados dançarem o ritmo da noite. O cheiro almiscarado chegou ao seu nariz ao mesmo tempo em que o farfalhar das folhas secas chegou aos seus ouvidos.
— Não achas que é muito tarde para estar aqui, menina? — a voz sedutora chamou a atenção de Amélia.
— Acho que não — Amélia deu de ombros, abrindo um largo sorriso ao virar seu rosto em direção ao som.
O homem alto e de cabelos tão negros quanto o breu aproximou-se lentamente, sentando-se ao seu lado.
— Mais corajosa do que as últimas — ele riu, contudo, o riso não atingiu seus olhos. Não havia humor ali.
— O que você quer dizer? — a menina inclinou seu rosto para o lado. Em sua face havia uma curiosidade contida.
— Mais bonita, também — o homem continuou como se ignorasse sua pergunta, tocando levemente a pele clara e macia da face de Amélia.
A garota gostaria de ter uma resposta à altura, mas tudo o que fora capaz de fazer foi cruzar suas mãos sobre as pernas, encarando os grãos de café enquanto suas bochechas se tornavam de uma cor muito próxima ao deles.
— Não entendo nada do que você diz. Menos ainda sei quem és — respondeu-lhe após um breve momento de silêncio.
— Acredito que não lhe contaram nada. Estou certo? — Amélia negou rapidamente, voltando a prender-se nas feições tão perfeitas do homem a sua frente. — Você é a oferenda.
— Eu sou... O que? — na boca da menina havia um perfeito "o" avermelhado. Ela sabia que deveria ter medo. Oferenda não lhe soava como algo bom.
— Você acha mesmo que nós nos contentaríamos com meia dúzia de ovelhas?
— Nós? — repetiu a pequena prontamente.
E, então, ele sorriu. Dentes claros e perfeitamente alinhados. Levemente pontiagudos. Dentes como os de um... lobo. Amélia levou a mão pequena até sua boca, tocando-lhe os dentes com o dedo indicador, maravilhada.
Ele tomou aquela mão tão delicada e levou-a até seu rosto, sentindo a textura macia.
— Os lobos — ele murmurou ao fechar os olhos.
— Esperava algo diferente. Assustadores, cruéis. Rawr — ela imitou uma garra com a mão livre, fazendo uma careta.
— É bom que pensem assim. Ninguém gostaria de pessoas correndo por aí enquanto tentamos devorar suas inocentes ovelhinhas — o lobo lhe sorriu por um momento. — Tão linda, esperta, curiosa, juvenil... — continuou com a voz rouca e arrastada, aproximando seu rosto dos cabelos arruivados da menina, farejando-os.
— O que você quis dizer com "oferenda"? — Amélia retomou o assunto. Os lábios do lobo agora desciam lentamente por seus cabelos, parando ao pé de seu ouvido.
— Tão pura... Intocada, não é? — ele sussurrou de forma leve.
As bochechas de Amélia tingiram-se de um tom vermelho intenso. Ela limitou-se a um aceno leve de cabeça.
— Já sentiu como se fosse diferente? Tratada melhor do que as outras garotas que a cercavam? — a voz dele soava tão hipnotizante que os pensamentos de Amélia tornavam-se nublados.
Sua respiração era irregular, fazendo com o que peito de Amélia se movesse de forma notável e constrangedora.
— Sabe por que sente essas coisas quando toco sua pele? — o lobo questionou, tocando-lhe o quadril sobre o tecido fino da camisola, como que para afirmar o que dizia. — Porque antes mesmo de nascer, você era minha.
No segundo seguinte, Amélia entendeu o que o lobo queria dizer. No instante exato em que os lábios dele tocaram os seus. O gosto doce de sua língua que passeava por seus lábios entreabertos, como antes homem jamais havia feito.
Agora Amélia entendia porque os adultos sempre a mimavam, e também o porquê de nunca terem arrumado nenhum pretendente para ela, sendo que todas as meninas da sua idade já possuíam casamentos agendados.
Seu corpo respondia de forma estranha e intensa às carícias do homem. Suas mãos, ainda que trêmulas, prendiam-se aos cabelos negros dele, trazendo-o para frente.
Duvidosa entre medo e desejo, deixou que ele lhe tocasse sob a camisola, deixando um rastro de fogo por onde seus dedos passeavam, prendendo-se em seus seios pequenos.
A área jamais tocada por mãos masculinas responderam prontamente ao calor, fazendo com que Amélia arfasse, animando seu companheiro.
Ali, a luz da lua, a pureza da menina fora rompida. Primeiro lenta e calmamente; depois, rápida, de forma lasciva e desejosa.
Ao fim de tudo, Amélia soube que fora feita para aquilo: para satisfazer o desejo daquele que os camponeses mais temiam.
A menina não conseguia temer pelo seu futuro, não enquanto estivesse enroscada aos braços dele, aspirando o cheiro de seu pescoço.
— E agora? — a pequena murmurou após um tempo, a voz arrastada pelo cansaço enquanto sentia dores por seu corpo em locais que nem sabia da existência.
— Não está claro? Agora és minha mulher. Te fiz minha a luz da lua cheia, e por direito, agora me pertence — a voz do homem lobo soava de forma sedutora, e era impossível que ela sentisse medo; pelo contrário, sentia-se mais segura do que nunca.
— Me levarás para longe daqui? — questionou após um momento. Nunca fora realmente ligada aquele vilarejo.
— Serás a mãe de meus filhos. Dessa noite nascerão frutos da Lua Cheia, meio lobo, meio humanos. Essa é a oferenda: a cada século os camponeses escolhem um casal privilegiado para dar a luz à menina que nos será entregue. Caso nasça um menino, o casal será sacrificado.
— Isso é cruel — Amélia disse. Em sua cabeça via a imagem de seus pais mortos caso nascesse um menino.
— Eu não faço as regras, menina. Agora levante-se, precisamos ir — em um pulo rápido ele se pôs de pé, estendendo uma mão para a menina ruiva.
Amélia não hesitou em segurar sua mão, pondo-se de pé com um pouco de preguiça. O homem sorriu ao beijar-lhe os lábios e ela sentiu-se segura e desejada.
Ao amanhecer ela pode ouvir os lobos uivarem ao relento, anunciando as boas-vindas à nova aquisição da matilha.
O futuro da jovem menina era incerto, mas ela não tinha medo. Pela primeira vez em seus quinze anos sentiu-se como parte de algo maior e intenso.
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Amélia
Short Story1940. Fallcreek, Illinois. Um pequeno vilarejo é assolado anualmente por criaturas não humanas a cada época de colheita. Criaturas essas, que a cada século exigem algo além das poucas ovelhas das quais os camponeses abrem mão. Amélia era esse "algo...