Destino

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Você se forma na universidade e fica todo orgulhoso. Seus pais fazem um churrasco, a família parabeniza e os amigos dizem que você terminou uma importante etapa de sua vida. E três meses depois sem conseguir nenhum emprego, você vai trabalhar em um stand de café.

Você acha o trabalho chato, mas isso é compreensível. Ouvir cliente reclamando que o café está quente, está frio, sem açucar, com muito açucar, tem creme, não tem creme, ele queria outro, ela chegou primeiro, minha tia não pediu assim. No fim do dia você só quer esquecer as últimas oito horas.

Mais três meses se passam e você continua sem chegar a lugar nenhum. Sente sua vida vazia, como se estivesse apenas ocupando espaço, servindo café e respirando. Uma máquina perfeitamente calibrada para levantar cedo (bem cedo para atender os executivos viciados em trabalho), seguir para o stand e ficar ali por horas, até ir embora e se preparar para o dia seguinte. Nunca vira tanta televisão e já sabe de cor os episódios de Law & Order que passam na TV a cabo que roubou do vizinho.

Então um dia você o vê. Ele chega para comprar um café, como tantos já fizeram. Ele é atraente, mas não mais do que o loiro que passava lá todas as tardes. Mas ainda assim, de algum modo, você não consegue respirar só de vê-lo na sua frente.

Recompõe-se rapidamente, pega o copo e faz o seu pedido. Café preto, puro. Ele pega nota, entrega o troco, sorri e o homem vai embora. E você ainda fica um tempo tentando entender o que tinha acontecido.

Chega em casa e se distrai com mais televisão. Só que dessa vez não quer esquecer o dia que passou.

No dia seguinte, chega sonolento no stand. Abre-o sem vontade, servindo os clientes e pensando que precisava arrumar outro emprego. Você sempre pensa nisso, mas de algum modo hoje aquilo fazia mais sentido do que antes.

Conversa com uma menina que trabalhava no shopping. Ela fala sobre clientes atraentes que passavam pela loja. E você lembra dele.

Menos de uma hora depois ele aparece de novo. Faz o mesmo pedido, paga com a mesma quantidade de dinheiro e sorri do mesmo jeito quando vai embora. E você continua sem entender porque aquilo te causa um efeito tão intenso.

Você decide que está sendo um idiota, se comportando como um adolescente apaixonado que nunca havia lidado com uma paixonite. Você nem conhece o cara, como pode ter uma paixonite por ele.

Assim, quando ele vem no dia seguinte, tenta se manter frio. Não quer ser afetado por sua presença. Não adianta. O homem sorri e você derrete.

A partir dai, uma rotina se forma. A cada dia que ele ia comprar um café, você coletava informações. Percebeu que ele sempre carregava uma pasta executiva. Viu a direção que ele sempre andava e, uma vez, o viu sair com alguém do trabalho. Descobriu assim onde ele trabalhava.

Uma vez, ele chegou no stand falando pelo telefone. E você descobre que ele tinha uma irmã. Pelo modo que ele parecia protetor, ela era mais nova. Descobre também que ele tem um irmão, esse mais velho.

Uma vez, ele esbarra em um dos outros clientes e derruba a pasta no chão. Além de alguns documentos do trabalho, você vê um CD. No dia seguinte compra um CD do mesmo artista.

Cada dia que passa você sente que o conhece mais. Contudo também sente um vazio. Porque você o conhece, mas ele não. Você ensaia conversas na frente do espelho, pensando no melhor modo de puxar assunto. Talvez uma piada? Um pedido de desculpas por ter derrubado café nele? A última ideia parece meio idiota. Mas as outras não foram lá muito melhores, então você decide pensar mais outro dia.

Uma semana se passa e você não decidiu nada. Agora está a seis meses naquele emprego, três meses observando o homem do café e ele mal sabe o seu nome. Mas você sabe o nome dele. Você sabe até que ele almoça no restaurante da esquina e não coloca sal na salada. Sabe até que uma de suas colegas de trabalho é apaixonada por ele, mas ele resiste porque não sente o mesmo por ela. Porque não sente atração por mulheres.

Você sente uma ponta de esperança de que de algum modo aquilo signifique o que você quer. Que signifique que você tem uma chance. Que tudo aquilo é destino. Isso só torna sua missão de falar com ele ainda mais importante. Os planos começam a se formar, fazendo um pouco mais de sentido, sendo mais viáveis.

Um dia, você coloca o CD que comprou, do artista que ele gostava. Ele diz “bela música” e vai embora com o seu café.

No dia seguinte, você esbarra na bancada, derruba café na mesma e um pouco na camisa dele. Você fica nervoso, mesmo aquilo sendo de propósito. Entrega guardanapos a ele, que sorri e aceita suas desculpas. Ele vai embora e você fica no stand pensando que agora ele estava sujo e ainda não tinha falado com ele.

Vai em uma loja que sabe que ele compra suas roupas, todos os dias no mesmo horário, torcendo que um dia ele apareça por lá. Ele aparece, passa na sua frente e não o reconhece.

Você chega em casa frustrado consigo mesmo. Por que tudo tinha que dar errado? Começa a duvidar que aquilo seja mesmo destino, que vocês realmente devêssem ficar juntos. E percebe que o idiota nisso tudo é você. Com medo de se arriscar. Porque até agora, sempre que se arriscou, deu errado. Porque você trabalha em um stand de café porque estudou quatro anos para não conseguir um emprego depois.

Você decide deixar de ser idiota. De uma vez por todas. Chega no trabalho, coloca seu avental ridículo e, quando o homem chega no stand, você se apresenta.

Ele sorri educadamente, responde seu nome de volta e vai embora. Simples assim. E a frustração que você sentia antes quando seus planos davam errado diminui. Você aceita que aquele destino tinha sido todo construído na sua cabeça. Que talvez vocês não fossem perfeitos um para o outro. Talvez o cara fosse um canalha que dormiria contigo e depois fingiria que não te conhece. Talvez ele dormisse com você, dissesse que você era importante para ele, e fizesse o mesmo com metade da cidade. Talvez ele fosse tão feminino que você pensaria estar namorando uma garota.

Os dias seguintes se tornaram mais fáceis depois disso. Você aceita que ele tem defeitos, até repara alguns quando ele vai comprar café. O sotaque dele é estranho. Ele parece gostar bastante de esportes e nunca chega na hora. Ele come bastante. E pede o café mais sem graça do mundo.

Aos poucos, você vai esquecendo toda aquela bobeira. O fim de semana passa e você percebe que nem pensou nele. Procurou alguns amigos. Conheceu gente nova. Fez uma entrevista de emprego.

Finalmente é seu último dia no stand. Seu substituto já está treinado. Você começa no seu novo trabalho na semana seguinte. E não podia estar mais feliz de se despedir daquele lugar.

De repente começa a chover e você não tem um guarda chuva. Não mora muito longe, mas a chuva torrencial o desanima a ir andando. Procura um táxi. Assobia, grita, balança os braços e quase pula em um pé só. De repente o carro para e você corre para a porta. Só que percebe outra pessoa fazendo o mesmo. É ele.

- Pode ir - ele diz, completamente ensopado. Mais até do que você.

- Não, você pode... Podemos dividir? - você sugere.

Ele concorda e vocês entram rapidamente. Você dá as instruções para o taxista porque sabe que mora mais perto. E ele finalmente o vê. Não como o cara que serve café, escondido atrás de um avental verde e de um sorriso mecânico. Mas como um cara completamente molhado tentando chegar em casa.

- Eu te conheço, não é?

Ele começa a falar. Você também. De repente você percebe que estava ali, o seu destino. E você nem precisou fazer nada.

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