Refúgio (texto)

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Como iniciar de forma correta? Vejo a escrita como um refúgio.
Quando ninguém ouve, o papel sente, materializa a alma de quem escreve refeltindo quem sou. Sou aquilo que escrevo, mas tudo o que escrevi até hoje foi pura fantasia. Serei eu, então, fantasia? Talvez.
O tom agradável da ideia de viver numa fantasia quase me pôs um sorriso nos lábios. Quase. Porque tenho medo de me perder nestes papéis cheios de nada, mas cheios de mim. Cheios das minhas visões do mundo, alteradas para uma completa idealização escrita do que seria a minha realidade perfeita. Mas o que está perto de ser perfeito, cada vez se afasta mais do que é real, é portanto aí que se deve parar. Parar. E eu parei.

  Nada daquilo era certo e eu sabia. Se ficasse presa naquele mundo imaginário, com personagens imaginárias e vidas imaginárias, apenas com uma pequena sombra de realidade, provavelmente não iria conseguir mais sair de lá. Apercebi-me do quanto passo horas a olhar para o vazio, a pensar nos possíveis cenários e novas situações que encaixassem nesse mundo. Em novas ideias nascidas das minhas próprias experiências e dos que me rodeiam, alimentadas pela fertilidade da minha imaginação que parece não ter fim.
Chega a um ponto em que parece que só sei fazer isto: imaginar. Se continuasse, a realidade não iria mais fazer sentido aos meus olhos.

Então encontrei-me. Encontrei-me no sossego do fundo do corredor, no cantinho desarrumado, onde me sento à secretária, horas a fio, a ler, a escrever, a estudar, a ouvir música, a pensar, a viver. Parar de escrever não era uma opção. Fechar-me à criatividade e à imaginação também não. Mas então começar agora uma nova versão de mim. Transmitir o melhor de mim para o papel e, sucessivamente, para o mundo, parece tão maravilhoso. É arte.
A minha arte pode não ser bonita, mas tem beleza à sua maneira, por ser minha. Por ser minha é diferente, assim como por ser tua também é diferente do meu diferente. Confuso?
Precisamos de aprender a ler de mente aberta. Uma mente fechada vai, para sempre, acreditar que tudo isto é uma confusão impossível de ser resolvida. Mas é a coisa mais simples do mundo. Tão simples como pegar no lápis para escrever estas palavras.
É preciso valorizar os gestos mais simples, assim como os mais complexos. Assim como esta minha escrita: pode ainda ser simples, mas não é por isso que deve ser desvalorizada. Na verdade é como tudo na vida, certo?

Não é preciso ter pressa. Não se podem forçar as ideias. Se as palavras não saírem da ponta do lápis com fluidez, então é porque estás a pensar em demasia. Não podes pensar, só tens de escrever. É quase como estar bêbado, quando dizes tudo o qie te vem à cabeça, com toda a sinceridade, porque palavras bêbadas são pensamentos sóbrios.
A escrita é igual: quando escreves sem pensar, esse é o teu verdadeiro eu. Só no fim voltas a reler. E assim conheces-te. Até à última palavra.

                                            Tânia Torres

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