III - Inconvenientes

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* Capa: Valéria Arjona Magnoli / Val.

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A casa onde minha mãe passou os últimos anos de sua vida é pequena e mofada.

Se resume à uma sala, uma cozinha, um banheiro e dois quartos.

Há uma jarra quebrada no chão da cozinha, com suco de laranja. Alguns talheres também estão no chão.

Decido começar pelo quarto que parece destinado às crianças. No momento em que abro a porta um gato pequeno passa correndo em direção à cozinha. O pobrezinho deve ter ficado trancado por horas.

Surpreendentemente, não há berços ou brinquedos. Apenas duas camas e um armário pequeno. No chão, há um pedaço de espuma, cercado com almofadas.

- Meu deus. - Verônica diz, assim que me alcança. - Era nisso que as gêmeas dormiam?

Apenas então compreendo a situação. Pensei que os berços estariam no quarto do casal, mas aparentemente minhas irmãs dormiam no chão.

Cada vez mais irritada com minha mãe e o suposto pai dos meus irmãos, decido pegar logo as roupas.

A atividade acaba sendo mais simples do que eu pensava, já que há pouquíssimas roupas. Coloco tudo sobre uma das camas e puxo o lençol pelos cantos, fazendo uma trouxa. Também separo os lençóis para levar.

Sob uma das camas encontro um par de chinelos e uma caixinha de papelão com um paninho sujo dentro. Imagino que seja a cama do gato, então coloco no banco de trás do carro, junto com as roupas, os lençóis e três mamadeiras que encontrei na cozinha.

Não sei quais escovas de dentes são dos meninos, e todas elas me parecem tão nojentas que decido comprar novas. Não há cadeirinhas ou bebês confortos, e percebo que vou gastar mais do que imaginava. Não há shampoo de criança, mas, como vou comprar escovas novas, vou precisar economizar em outras coisas. Decido levar todos os produtos capilares.

Enquanto isso, Verônica faz própria arrecadação: as mochilas escolares, o tapete da sala, uma frigideira, fraldas descartáveis, talco e o colchão de uma das camas.

- Esse colchão não vai caber no carro, Ronie.

- Precisa caber. Você tem apenas uma cama de solteiro. Vamos precisar resolver isso à longo prazo, mas por enquanto, eles vão precisar dormir em algum lugar. - Ela explica.- Podemos empurrar sua cama para o lado e colocar seu colchão no chão. Se juntarmos os dois caberão os quatro e você se vira com o sofá.

Justo.

Juntamos tudo o que conseguimos pela casa, de copos à papel higiênico. Tudo que pudesse ser usado ou vendido.

Enfim, o quarto do casal tornou-se inadiável.

- Tem certeza de que quer fazer isso? - Ronie pergunta.

- Eu preciso. - Respondo, girando a maçaneta.

A primeira coisa que vejo é a cama desarrumada apenas de um lado.

A segunda é a poça de sangue no chão.

O sangue da minha mãe.

Foco, Helena.

- Você olha os criados, eu olho o guarda-roupa. - Digo para Ronie, que parece mais enojada do que eu.

Na primeira repartição há roupas masculinas, dois relógios e alguns sapatos gastos. Nenhuma das roupas serviria em Alexandre, então separo apenas os relógios e um terno que pretendo vender em um brechó.

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