Senhor Smiles

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As quatro crianças terminaram de olhar as sacolas com doces recebidos na última porta e giraram em direção ao começo da rua, quando um deles estranhou:

— Hei! Ainda falta mais uma casa! — disse a voz fina e abafada atrás da face emborrachada do Coringa.

— Explica para este idiota quem mora naquela casa — ordenou Gus, o mais velho, fantasiado de George Washington com direito a peruca branca.

— Ali mora o senhor Smiles, um velho que nunca sai de casa. Ele não gosta de crianças, de bichos... aliás, acho que ele não gosta de ninguém! — frisou Andrew, ajeitando o arco com as orelhas exageradas de Alfred E. Newman, o caricato personagem da revista MAD. Embora as sardas e o dente ausente fossem reais.

— Por que você diz isso? — Carl levantou a máscara do palhaço de Gotham, mostrando suas sobrancelhas contraídas de indignação.

— Você é novo aqui na rua, Carl. Tem muita gente que você não conhece. Muita história que não ouviu ainda — Gus bancou o sabichão.

Enquanto isso, Philip, o último membro do Trio (sim, com a chegada de Carl, o grupo passou a ser chamado de "Trio Los Cuatro") se deliciava com um pacote quase infinito de Skittles, observando calado, e de boca cheia, o início de mais uma discussão entre os amigos.

— O que ele faz? Chuta cachorro? Bate nos filhos? Briga com a mulher?

— Nada disso, Carl. Ele não tem filho, cachorro, nem esposa — apontou Gus. — Mas uma vez eu estava acordado até tarde e vi um programa que dizia para ficar alerta com pessoas que vivem que nem ele. Sozinho. Mal-humorado. Que não sai na rua e só pede comida por entrega. E o mais esquisito... não fala com ninguém.

— Ele é surdo? Ou mudo?

— Eu acho que ele é um serial killer — supôs Andrew.

— Não seja ridículo! — Gus deu um tapa na nuca do amigo. — É óbvio que ele é um comunista!

— Estou falando que é assassino... — Andrew revidou com um soco no braço. — Daqueles que enterram as vítimas no quintal.

Os dois foram embora, deixando Carl e Philip para trás.

— Você também pensa mesmo que ele é um assassino?

— Não... acho que é exagero daqueles dois. Não sei o que o senhor Smiles faz, mas sei que ele é muito sério. Uma vez estava no trabalho da minha mãe, e ele foi lá no banco. Eu vi o rosto dele. Muito sério. Não deu um sorriso. Não disse uma palavra.

— Então ele é mudo mesmo! Como sua mãe sabia o que ele queria? Pagar conta? Pegar dinheiro?

— Eu vi ele escrevendo num bloco e mostrando pra ela. Eu estava desenhando numa mesa bem atrás deles, mas não consegui ler o que tinha nos bilhetes. Ele saiu de lá com bastante dinheiro. Minha mãe me contou uma vez que o senhor Smiles já foi casado. Mas algo muito terrível aconteceu na vida dele, e a mulher fugiu.

— Ué? Mas o Gus disse que ele não tinha esposa — Carl coçou a cabeça.

— Não ligue pro Gus. Ele é que não sabe de um monte de coisa aqui da rua. Bom... vamos indo? Ainda quero chegar cedo na casa da senhora Montford. Se chegarmos tarde lá, só vão ter sobrado os chicletes!

— Vai indo lá, Philip. Eu alcanço vocês... — disse Carl, tornando a colocar a máscara do Coringa.

Philip jogou a última porção de confeitos na boca, deixando cair para trás seu chapéu de Xerife que ficou preso ao pescoço por um elástico. Ajeitou o adereço, conferiu a estrela no peito, e se despediu do amigo entre uma mastigada e outra.

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