Decisões

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Era difícil tomar a decisão de ir pra casa. Os problemas eram tantos que adorava quando tinha que sair de casa ou do trabalho. Sentou-se no banco, na plataforma da estação do metrô Luz, linha azul. Observava o ir e vir do trem sentido Tucuruvi. Refletiu que talvez tivesse chegado a hora de enfrentar o divórcio, terminar o casamento enquanto ainda restava alguma dignidade. Podia dar a chance de ainda terem uma amizade, isso faria bem para as crianças. E ele ia sentir muita falta delas, a mais nova, a mais velha, eram as mulheres mais importantes de sua vidas. Amava como a mais velha era carinhosa e dengosa, contrastando com a independência e energia da mais nova. Enquanto olhava os trilhos e via a multidão se aglomerar, a correria pela plataforma, tirou um cigarro do bolso e acendeu ali mesmo. A confusão era tanta que ninguém perceberia que estava fumando dentro da estação do metrô.

Decidiu que, já que iria terminar o casamento, não iria precisar de um emprego tão bosta como aquele. Ia mandar o patrão enfiar todos os relatórios de energia no olho do cu dele, na segunda feira mesmo, estava de saco cheio. Porrada do trabalho, porrada da esposa. Eles que se fodessem - se já não estivessem fazendo isso.. Um trabalho mais simples e que não precisasse gerenciar tantas pessoas deixaria sua vida mais leve. Deu uma tragada mais forte enquanto vários guardas desceram na via do metrô, a plataforma tinha muita gente mesmo. Estava tão de saco cheio que nem sequer se interessava em se unir ao circo, preferiu pensar em como a vida é tão... falha. As pessoas trabalham em empregos que odeiam, para comprar porcarias que não precisam. Todos tem a chance de fazer algo grande todos os dias, mas se prendem a meros detalhes, como ali mesmo, dezenas de pessoas se apertavam na plataforma minúscula para olhar dentro dos trilhos que dividiam as plataformas, todos com seus celulares na mão para registrar algo que não afetará em nada suas vidas. Olhou para o alto, jogou a fumaça de seu cigarro pro ar e relaxou as pernas. Nunca tinha se sentido tão livre depois de tomar tão poucas decisões. Depois de se livrar tanto da esposa infiel, quanto do chefe abusivo, sua vida mudaria tanto que nunca mais se veria na mesma situação que estava naquele momento.

A vida é curta demais para se prender a coisas inúteis, se estressar por causa do modo como o chefe falou no e-mail, ou com a sogra que faz sua caveira não vai te levar a viver plenamente, pensou enquanto abria a carteira e procurava mais um cigarro. As pessoas quando não são plenas dentro de si precisam tirar de outros a satisfação de viver. Revidar, responder ou se igualar em frases de efeito ou discussões bestas com certeza tira de você a sua paz interior... e transfere para o agressor, pensou novamente enquanto fumava e observava o movimento.

A plataforma começava a esvaziar, guardas orientavam as pessoas a deixarem o local e homens de jaleco branco fotografavam os trilhos. Estava cagando para todos, estava cagando para tudo aquilo, queria apenas fumar seu cigarro em paz sentado naquele banco, até que seu trem finalmente chegasse. Uma mãe acompanhando seu filho passou e a criança o observou, curiosa. Mostrou a língua para a criança como um gesto de molecagem e voltou a se concentrar na fumaça que exalava após inalar o cigarro. Refletia como todos os seus problemas poderiam ser resolvidos com um simples "ok", "sem problemas" ou talvez um "você está certo". Pensar no ditado que sua vó dizia - quando um não quer, dois não brigam - o fazia compreender que, por mais nervoso que uma situação nos deixe, tudo pode ser resolvido com uma conversa ou talvez encerrar o papo ali mesmo poderia estressar muito menos do que continuar discutindo com alguém que, no fim das contas, não quer ouvir.

Estava de saco de cheio de esperar o trem, iria pegar um ônibus na porta da estação mesmo. Levantou-se para ver o motivo de tanta gente na plataforma, caminhou até a faixa amarela para observar os trilhos, deu uma última e longa inalada no cigarro para terminá-lo. Expeliu a fumaça e jogou o que sobrava da nicotina sobre seu corpo, já deformado, sobre os trilhos.  

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