Capítulo 1 - O Presente

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As buzinas dos carros ecoavam pelo corredor. A subida para o apartamento tinha esgotado as forças da figura presente. Levantou o chaveiro até a porta, escolhendo a chave certa e usando-a para abrir a tranca. Entrando, acendeu as luzes no interruptor mais próximo e jogou a bolsa na mesa, indo direto para o quarto.

Era apenas mais uma noite de sexta-feira, não tinha compromisso, porém tinha trabalho a fazer. Tirou, uma a uma, todas as bijuterias que levava, até o lenço no cabelo. Enquanto trocava a blusa que usava por sua regata habitual, ouviu a campainha tocar na cozinha. Não fazia ideia de quem poderia ser.

- Srta. Souza, chegou um pacote para você lá embaixo. - Disse o porteiro. Era um velho meio ranzinza, com um bigode por fazer que sempre pegava os turnos noturnos.

- Obrigada, Jorge. - Pegou o pacote e fechou a porta com um sorriso.

O embrulho laranja refletia a luz do lustre em cima da mesa, onde o colocou. Abriu devagar, encontrando um cartão amarelo dentro, junto com papéis e uma camisa.

Para Amara Souza, nosso amuleto da sorte.

Nesse pacote tem ingressos para as semifinais do time (você sabe muito bem qual), junto com passagens e um comprovante de reserva num hotel perto do nosso clube, se não quiser se hospedar na casa de um de nós. A camisa foi feita alguns dias antes de tudo aquilo acontecer, íamos te dar ela no final do campeonato, mas você foi embora antes. Como o uniforme continua o mesmo, a camisa ainda é oficial.
Esperamos mesmo que venha assistir um jogo.
Sentimos a sua falta, princesinha, não devia ter nos abandonado.

Do seu time, especificamente seu treinador do coração (e o Kike).

A pessoa colocou o bilhete na mesa, tirando também os papéis dos ingressos, e pegou a blusa. O tecido leve quase escorregou-lhe da mão, mas ela segurou firme. A cor amarela ofuscava os seus olhos já marejados. O número 7 estampado em vermelho no peito esquerdo quase passou despercebido por causa do Olimpians, o nome do time, estampado logo acima. Ao virar, seu sobrenome estava ali, dando-lhe oi, da mesma cor que o número na frente, com um grande 7 logo abaixo. Amara conteve um soluço, tentando segurar o mar de emoções que estava sentindo naquele instante. Tirou a camisa que vestia, e colocou a do time. O tecido fazia cócegas na sua pele, agradando-a, e o cheiro de nova invadiu o seu nariz.

Não soube quanto tempo ficou parada ali, apenas sentindo a camisa e sendo envolvida pelas lembranças do passado. Ao longe, quase no fundo de sua mente, um relógio soou, uma badalada pesada e elegante, indicando a chegada das dez horas. Sobressaltada, Amara saiu do transe, indo para a cozinha. Sua barriga roncou ao lembrar do vazio na geladeira, confirmado quando abriu a porta da mesma. Exaurida de qualquer força - e estabilidade emocional - para descer e procurar por algum restaurante, apenas pegou o seu telefone e discou para a pizzaria mais próxima.

Seguiu para o seu sofá, sentando-se preguiçosamente. Um turbilhão de pensamentos ainda passavam pela sua mente, alguns tão intensos que seu rosto demonstrava reações a eles. Tinha ingressos para as semifinais. Seu coração perdeu o ritmo quando uma imagem do capitão apareceu em sua mente. Certo, certo, tinham vivido meses muito intensos, tanto socialmente quanto internamente. Felipe Murdock, o grande capitão, conquistador do seu lugar entre um dos melhores jogadores do século. Alto, moreno, simpático, carismático e seu ex. Felipe fora seu primeiro e único namorado, o único cara que deu a ela atenção e amor, quando todos os outros estavam ocupados demais procurando por caucasianas loiras para se preocupar com a garota afrodescendente.

A lembrança deles dois juntos fez os olhos de Amara se encherem d'água novamente. Fazia meses desde que tinham terminado, talvez mais de um ano. Tudo devido ao estresse que sofriam, e a procura para a melhoria da sua saúde. Ainda se amavam quando foram forçados a se separarem e, desde então, Amara não se envolveu da mesma forma com nenhuma outra pessoa. De vez em quando, curtia umas noites fora com alguém, mas nada sério. Não conseguia manter um relacionamento amoroso sólido com outro ser humano por mais de quarenta e oito horas, devido ao seu estado emocional ainda muito frágil para se envolver dessa forma. Mas isso também ocorrera havia alguns meses. Não era sua culpa, ela se forçava a pensar, nem das pessoas com quem se envolvia, apenas não era o momento, nem havia encontrado a pessoa certa.

Com esse pensamento ainda na mente, levantou-se para atender a porta, cuja campainha tocara em algum momento do devaneio, com seu cartão na mão. Não sabia se havia dado a gorjeta, estava tão alheia que não se importou em perguntar. Abriu a caixa, encontrando a sua pizza favorita: metade pepperoni e metade banana com canela, um favoritismo seu. Nunca deixou de comer uma fatia da pizza doce, mesmo quando deixou sua família no Brasil para construir a vida no Novo Olimpo, um pequeno arquipélago divisor de continente com as terras tupiniquins.

Voltou-se para a caixa, onde ainda estava o bilhete e os ingressos. Com uma decisão, encerrou a sua noite.

Iria para os jogos.

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