onde se escondem os poetas apaixonados

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| todos viramos poetas quando permitimos nos apaixonar |

E era a quinta vez em que aquela italiana revoltada havia batido a porta do meu apartamento e saído com raiva, isso enquanto gritava algumas palavras que eu não fazia ideia do significado.

Minha resposta foi olhar para o gato e rir dessa atitude tentando imaginar o que a mesma tinha dito. Palavras de baixo calão, talvez?, pensei ao dar um gole no vinho que desperdicei com a visita.

Não me surpreenderia.

Acho que em toda minha vida só me apaixonei verdadeiramente por quatro meninas. Sim, meninas. Por mais que eu já seja um homem feito – ou quase feito – de 26 anos, nunca consegui "estar preso" a apenas uma mulher, tanto que o termo "galinha" já foi bastante aplicado por elas para me definirem.

O que não sabem é que já fui um romântico melancólico no passado exatamente com esse quarteto, porém nenhuma fazia ideia disso. Quero dizer que, além do romantismo ter sido uma qualidade minha na época, eu era tímido – defeito antigo número um. Tímido e inseguro, aliás: em hipótese alguma teria coragem de "chegar" em alguém.

O meu jeito de demonstrar o que sentia era pela escrita, e foi algo que descobri durante uma aula de português no quinto ano em que deveríamos criar uma poesia sobre alguém, mas sem citar o nome da pessoa. Eu escrevi sobre uma paixonite da classe, e a nota foi 10. Gostei disso, então a partir daí me inspirava nela ao compor outras poesias e textos. Mirella nunca descobriu; nem Amanda, a garota que conheci dois anos depois no novo colégio; nem Melissa, a vizinha do meu primo; tão menos Clara, a moça que foi minha amiga no primeiro emprego.

As coisas seguiram dessa forma por muito tempo: eu, fazendo poesias e escondendo-as das minhas próprias inspirações.

O problema veio quando fui mudando com o passar dos anos; por conta de alguns acontecimentos me tornei outro e não encontrei motivo algum para continuar.

Pois não havia amor.

Não conseguia amar.

Desde então, jamais amei.

Ou pelo menos passei a duvidar da existência desse sentimento que tantos admiram e dizem crer; achava que a chance disso me tomar novamente seria igual a cem negativo. Para ser ainda mais sincero, fazia tempos que sequer tinha interesse em alguém.

Meus amigos tiraram onda de mim nessas duas últimas semanas por esse motivo. Era estranho, sim; uma noite com qualquer mulher, por mais bela que fosse, deixou de me satisfazer por inteiro.

— O nome disso é carência. – Rodrigo falou, certa vez. — Fica tranquilo! Não é doença, nem eterno. Uma hora passa e você volta a ser quem era.

E então essa questão acabou perturbando minha mente: quem sou eu? Talvez apenas um carinha indignado com o próprio salário, mas que mesmo assim trabalha durante quase o dia todo e vira noites em choperias junto a outros desocupados. Percebi que até agora não havia uma biografia sobre mim já que minha vida toda foi uma mesmice – essa coisa que chamam de rotina se baseava nisso. Foi exatamente por esse motivo e por eu "não voltar a ser quem era" que meu melhor amigo decidiu que precisava de férias, assim consegui folga durante três dias para fazermos uma viagem ao Rio de Janeiro.

— Presta atenção nesse lugar, irmão! Olha quanta gente bonita, e sinta essa paz! Tem como ficar magoado por aqui? – ele disse, logo se despedindo para entrar em seu quarto.

Ficaríamos no mesmo hotel, mas é óbvio que os dormitórios seriam separados.

O fato era que as primeiras 48 horas na cidade foram inúteis para ele – ou para mim – já que eu continuava com um nó na garganta e outro no peito que pareciam impossíveis de desenrolar. No último dia decidimos fazer um grande passeio por tudo quanto é canto outra vez, começando com a praia de Ipanema. Não adiantou: mesmo com tantas belezas a mostra próximas ao mar, nada sentia. Estava vazio. Complemente só.

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