[01] Fins e (re)começos.

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A morte nunca havia passado pela minha mente. Considerando que eu era apenas uma criança, toda a ideia existencialista que rondava a realidade de um fim para a vida parecia tediosa para um menino. A minha vida era cheia de luz, cor e alegria, como se não houvesse espaço para a morbidez do assunto. Minha mãe, a estonteante artista Diana Collins, fazia questão de fazer de mim o ser mais livre do mundo. Eu e ela morávamos sozinhos em uma casinha azul de dois andares no centro de Gaya, a capital de Moira, nosso país. Minha infância fora resumida no pavimento da rua sem muito movimento de carros desfilando, pelo verde cintilante da grama baixa do nosso jardim, do silêncio de me sentar à varanda para ler algum livro e de bisbilhotar minha mãe pintando seus quadros delicadamente. A destreza com a qual suas mãos magras e ossudas seguravam o pincel e o fazia deslizar pela tela como se tivesse todo o tempo do mundo para isso. Eu fazia questão de ser o mais silencioso possível para que ela não me percebesse olhando de esguelha pelo seu ombro. Assistir a sua arte nascendo era, de longe, a minha coisa favorita no mundo.

Vivíamos sozinhos porque meu pai fora embora antes mesmo de eu nascer. Não esperou a minha vinda para ter certeza de que não gostaria de mim. A mesma coisa com toda a família da minha da minha mãe. Não endossavam a ideia de, por ter sido criada em uma família de médicos, juízes e engenheiros, ela ser artista. Ainda que fosse promissora e que todos os seus professores da universidade ressaltassem que ela tinha talento, seus pais não enxergavam nada disso. Sendo assim, quando engravidou de mim estudando em Cambridge, teve de voltar do Reino Unido pois meus avós se recusaram a terminar de pagar pelos seus estudos. Cambridge era o sonho da vida dela. Concluiu seus estudos na Universidade de Gaya enquanto me amava por ter me esperado para saber.

Seus quadros fizeram sucesso. Um sucesso estrondoso, mas mesmo com todo o dinheiro, desfrutávamos de uma vida humilde e confortável. Diana fazia questão de guardar tudo para que, um dia, eu pudesse ser quem estudaria na Universidade de Cambridge.

— Não me importo com o que faça, Adam — Dizia. —, contanto que te faça feliz.

Quando fiz dez anos, meu tio Cody, único parente próximo, adoeceu. Veio, então, morar conosco em Gaya. Era um economista de sucesso morando na França. Seu câncer foi descoberto em estágio inicial, o que o fez conseguir ficar bem logo. Ainda melhor que antes, por aprender mais sobre a vida encarando a morte. Incentivava que a minha mãe fizesse uma pós-graduação na faculdade dos seus sonhos e, um dia, ela quase o ouviu. Na terceira semana de julho de 2013, minha mãe estava a caminho de expor seus quadros em uma galeria renomada de Londres, onde um dos seus professores de quando estudava em Cambridge, estaria. Ela tinha a esperança de que, quando o homem visse seus quadros doze anos depois, ele gostaria de tê-la de volta.

Eu me despedi da mulher de cabelos cacheados e pele morena no aeroporto. Lembro bem de como o seu vestido verde escuro brilhava do sol do aeroporto e como seu sorriso de "Até logo" acalentava meu coração. Ela me abraçou com força e disse:

— Eu te amo, Adam. Eu vou atrás do meu sonho, mas eu volto. — Beijou minha testa. — Nada de ler até tarde, ok?

A última coisa que ela me disse foi para que eu não lesse até tarde. Eu li, mas sabia que ela não brigaria comigo por isso. Dia 18 de julho foi o meu dia da despedida. Uma despedida inocente com promessa de retorno. Aquela fora a primeira promessa descumprida dela.

No dia dezenove, pensei na morte pela primeira vez. Não pensei pouco, mas incessantemente. A ideia se chocou contra o meu corpo magro e infantil como uma bola de demolição em um poste envergado. Se alojou nas minhas juntas e se expandiu por cada nanoscópico espaço entre meus infinitos átomos. Nunca mais esqueci a morte. Com doze anos, tudo o que eu fazia era pensar que todos nós iríamos morrer, mas que a pior pessoa que me poderia ter sido tirada, havia partido. Partira num acidente de trânsito em uma movimentada rodovia em Londres. Quinze pessoas morreram e eu queria ter sido a décima sexta. Sentia que uma vida sem a minha mãe não valia à pena de se viver.

O Silêncio Entre Nós Onde histórias criam vida. Descubra agora