Camem

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Ele acordou de um jeito muito diferente do normal. Correu a mão sobre a escrivaninha que ficava ao lado de sua cama e pegou seu óculos de visão quadrado de cor madeira. Parecia estar com dengue. Seu corpo doía muito e ele não sabia dizer o que era. Talvez fosse da noite na piscina com os amigos e da bebedeira seguida. De qualquer forma, ele não se lembrava de absolutamente nada após umas dezoito horas do dia anterior. Levantou-se de mau jeito e cambaleando um pouco foi até o banheiro que ficava ao sudeste do quarto. Foi, entrou e se olhou no espelho. Nada de mais, mesmo rosto e mesma palidez desnecessária. Touler era magro, o que não gostava. Era, também, bastante branco e o rosto quadrado, cheio de espinhas. Era bonito, mas não lindo. Tinha o rosto com bela aparência italiana, apenas. Os cabelos loiros encaracolados estavam bem amassados e espremidos como se houvesse dormido como uns três dias diretos. Levou o rosto mais perto do espelho e se impressionou com a dilatação da pupila de seu olho verde. Teria Touler se drogado pela primeira vez ontem? Bom, isso ele não sabia, já que de nada se lembrava. Pensou em pegar o telefone e perguntar a Carlos o que teria acontecido com ele para estar em um estado tão deplorável, mas o telefone estava em algum lugar na bagunça de seu quarto e ele estava com preguiça de procurá-lo e assim preferiu tomar um banho para tentar restabelecer a ordem sã de seus pensamentos e de seu corpo. Desnudou-se e seu corpo se arrepiou com o frio que fazia naquela manhã de junho. Entrou no box, ligou o chuveiro no quente e lá ficou bastante tempo com a água escorrendo sobre seu rosto e sobre seu corpo numa temperatura confortável e prazerosa. Pensou na festa que deu no dia anterior e no que seus pais diriam se chagassem hoje da viajem á Inglaterra e vissem a casa aos trancos. A festa foi planejada a algum tempo desde que ficou sabendo da viajem dos pais, porém, não era pra tomar o rumo que tomou. Era pra ser algo mais discreto. Ta, chegou bastante mulher bonita, mas aos poucos e poucos foi chegando gente que ele nem ao menos ouvira falar na vida. Às seis horas, já não havia mais espaço em sua cobertura nem para se deslocar de um cômodo para outro. E, a última coisa que Touler se lembra é de estar sentado com alguns amigos na beira da piscina no andar superior e ouvir algumas pessoas gritando algo que foi meio abafado pelo som que tocava mais alto ainda. Ele ainda se lembrava da música que tocava até onde sua memória deixava, era algo como "How to Save a Life" do The Fray. Naquela altura ele já estava pouco embriagado junto do Carlos e do João. Os outros amigos tinham acabado de chegar com uma turma enorme de pessoas, do qual ele mesmo reclamou na ocasião. Eles se desculparam e começaram a falar algo sobre a Letícia, garota que o Touler ficou há algum tempo. Ela não estava lá, mas, eles fizeram questão de citá-la por um vídeo meio indecente da mesma, que há poucos dias circulou na internet. Os "parceiros" assim diziam-no, tinha conhecimento que Touler ainda gostava da menina de cabelos castanhos e olhos negros, mas nem pareciam se importar com seus sentimentos ainda por ela. Ele, na ocasião, também fingiu não se importar, já que fraqueza perante eles, só demonstraria o quanto ele ainda seimportavsv com Letícia; e o zoariam bastante, por sinal. Após Touler ouvir um de seus amigos chamar Letícia de "Vadia", nada mais se viu, nada mais se ouviu, nada mais sentiu. Era, apenas, como se houvesse dormido, dormido muito. Logo, Touler saiu de seu devaneio da festa por um ruído vindo do chuveiro. A água começou a esfriar instantaneamente e ele se afastou num pulo. A luz acesa no banheiro mostrava claramente o quanto o ambiente estava coberto por fumaça da água quente que logo, também se apagou. Por alguns segundos, Touler ficou parado, sentado com as costas para a parede mais próxima na esperança de que a luz fosse voltar em instantes, o que acontecia na maioria das vezes que caia. Mas, daquele dia em diante, nunca mais sentiria o prazer que uma água quente faz quando em dias frios. Ele ficou esperando, mas o frio começou a tomar conta, ainda mais por que acabava de sair do quente. Levantou-se de onde estava encostado e pegou a toalha pendurada no box. Enxugou-se e se cobriu por causa do frio. Saiu. A fumaça que saia do banheiro logo se espaireceu por seu quarto. Ele foi até seu guarda-roupa e pegou uma cueca, uma blusa simples cor cinza e um short rasgado. Tudo bem básico para um dia de domingo. Belo Horizonte fazia bastante frio, e o centro era, geralmente, um dos lugares mais frios da cidade. Seu prédio ficava bem próximo à praça da liberdade, uma das principais praças de BH. Touler se vestiu e tentou ligar a TV que ficava em frente a sua cama para poder comprovar se a luz continuava sem querer voltar. E sim, a luz não havia voltado. Então, já que não havia TV para se ver nem ouvir nada, decidiu descer a cozinha e tomar um dipirona pra dor de cabeça que começava a latejar. Saiu do quarto e desceu. A casa estava uma zona! Tudo estava fora do lugar e ele ficou imaginando como arrumaria tudo aquilo. O abajur quebrado, pé de cadeira pra um lado, latinhas para outro, sofá sujo com comida, e tudo o mais. A cozinha então nem precisava dizer, tinha papel por todo lado, copos quebrados e finalmente um dipirona que ele conseguiu achar no armário de cima que incrivelmente não havia sido tocado por ninguém. Colocou exatamente 30 gotas do remédio rezando para não haver colocado mais sem querer. Ele tinha medo de remédios. Saiu da cozinha ainda admirado com todo o estrago e, quando passou pelo corredor até a sala, não ficou mais espantado do que estava. Já esperava que a sala estivesse calamitosa. Mas tinha preguiça, iria arrumar depois.
Seu apartamento ficava no décimo segundo andar. Era um apartamento de luxo verdadeiramente, coberto por uma arquitetura deslumbrante de se ver. Todas as janelas eram enormes e davam para uma vista linda da cidade. Aquele dia, inclusive, era um dos melhores dias, na opinião de Touler, para se admirar a vista. O dia, esse que Touler gostava, estava nublado e frio, como outono europeu. E a sala era realmente enorme. A mesa de jantar ficava ao centro e suportava até 14 pessoas. Acima dela, um lustre impressionante se pendurava ao teto e dava uma aparência muito fantástica com seus vários cristais. A sala como um todo, tinha como tom de pintura o gelo, que se encontrava entre o cinza e o branco. Era confortável de se olhar junto com os moveis combinando com a pintura. Touler, que ia até o sofá onde estava seu notbook, sentiu em sua direção um vento bem gelado vindo da principal janela da área norte. Passou num armarinho embaixo da TV e pegou uma cobertinha que sua empregada sempre deixava ali por hábito dos meninos dormirem no enorme sofá-cama que ficava logo à frente. Cobriu-se inteiro e se pegou comparando o inverno deste ano, com o do ano passado "Como pode ter mudado tanto?", "Com certeza devem estar falando sobre isso nos jornais se, claro, não houver faltado luz lá também", pensou. Agora sim foi em direção a enorme janela com aparência metálica nas laterais de vidro para fechá-la. Olhou para baixo por curiosidade e nada viu. "Ok, há algo de estranho", pensou. Mas, é claro que havia! Aquilo era Belo Horizonte em pleno domingo. Centro, melhor dizendo, em pleno domingo. Onde estavam as pessoas que sempre estão na praça da liberdade? Onde estavam às pessoas dos protestos constantes que alastrou BH nas ultimas semanas? Onde estavam as pessoas e carros, pois, nem carro ele conseguira ver. Nem ao menos uma buzina, Jesus! Definitivamente nada estava normal. Ele olhou por todos os cantos. Janelas e terraço. Sua casa ficava na mais alta ponta com vista para tudo, mas nada!

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⏰ Última atualização: Oct 08, 2016 ⏰

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