Ao assistir essa incrível obra de Darren Arenofsky muitos dos conceitos propostos por Freud me vieram em mente. É importante, primeiramente, ressaltar que o filme possui uma clara interpretacão artística; a jovem bailarina que toma as dores dos personagens da peça de balé que tanto sonhou em protagonizar, sendo possível lançar um olhar psicanaliticamente interpretativo do caso.
A paixão que a protagonista Nina sente pelo balé é tão intensa quanto o afeto que a mãe possui por ela. No início, ambas ostentam um sentimento recíproco, de muita adoração e apego, mas ao decorrer da história essa afeição diminui. O foco da ficção é a identidade de Nina, que sofre grande mudança com o passar dos dias após ser escolhida para interpretar a Rainha Cisne na peça. Quando falo em identidade, não me refiro apenas aos atributos e características próprias que alguem possui, mas também sobre a consciência que a pessoa tem de si mesma. A jovem bailarina está ofuscada pelo estresse que esta passando, por não conseguir interpretar os dois cisnes, assim, sua vida pessoal e a visão que tem de si mesma se desorientam. O outro agravante evidente é o modo que sua mãe se relaciona com ela, tornando a filha muito dependente, e a soma disso, resulta em traços psicóticos ao decorrer da trama.
Considerando os aspectos do desenvolvimento psicossocial de Nina, ao longo do tempo, o número de crises e mudanças no seu modo de se relacionar com as pessoas, aumentam negativa e gradativamente, chegando ao nível patológico. Ilusões, alucinações e delírios agora cercam a vida da jovem, que não sabe mais discernir o real do irreal, pois tenta manter sua atenção no ensaio da coreografia. Ideias persecutórias também se manifestam e se fundem com as alterações de pensamento, tornando a vida da bailarina um caos. Além do aspecto psicossocial, identificamos que sua sexualidade esta desestruturada, e a medida que sua identidade muda, a sexualidade se manifesta. Seus desejos inconscientes se deslocam, e Nina, em uma das cenas, fantasia ter relações libidinosas com uma colega da academia.
A identidade de Nina estava em um plano ideal maternal, ou seja, a jovem não formou uma personalidade autêntica e sim um imaginário criado pela mãe ao longo de sua vida. A pulsão que move a bailarina é um imenso desejo perfeccionista que não mede esforços para a realização, então, com o passar dos dias, todo aquele idealismo delicado criado pela relação maternal, aos poucos se destrói, com o intuito de alcançar a perfeição, manifestando-se com comportamentos agressivos que, coincidentemente, definem sua personagem na peça de balé.
O psiquismo da jovem está se quebrando, e em um mundo familiar, social e pessoal que lhe impõe expectativas e angústias, seu final não podia ser diferente. A analogia criada na obra, no ato final, em que a apresentação da peça acontece, Nina acaba por interpretar uma dupla personalidade. A jovem, antes delicada e meiga, agora demonstra seu lado aprisionado, trucidando sua insegurança ao alucinar estar matando uma colega da companhia de balé, que por sua vez, era no mundo de Nina, a bailarina que desejava seu papel. Fazendo isso, a protagonista acaba por se ferir profundamente, mas finalmente externa seu âmago psíquico, e mesmo com a própria morte, sua satisfação encontra-se presente.
