Conto: O Fantasma de Cahri

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— Capitã, temos algo no radar — disse o jovem tenente Hawkins enquanto manejava as teclas holográficas do painel de navegação da Forscher. Até então, nada fora do comum. Foi o que ele comunicou em seguida que fez todos na doca de comando virarem o pescoço e aguçarem os ouvidos. — Parece um sinal de emergência da União, senhora.

A capitã Helena Rockeford se levantou de sua cadeira, no centro da doca, sob os olhares discretos de seus subordinados. Não era sempre que uma notícia tirava a "Rocha" de seu trono em pleno voo de reconhecimento. Pondo-se ao lado do tenente, ela observou a tela do radar e depois mirou o gigante gasoso Cahri, que se revelava imponente e praticamente inexplorado do outro lado da janela, com sua tonalidade arenosa e rodeado por quatro luas.

— Decodifique o sinal, tenente.

— Sim, senhora.

Os dedos de Hawkins se transformaram em vultos enquanto as luzes das teclas acendiam freneticamente sob eles. Mais informações surgiram na tela: códigos, algumas imagens e também relatórios. Rockeford apontou para um dado específico:

— Aqui. Amplie.

A ordem foi cumprida. Na tela, surgiu a identificação "C03-AS44".

— É o código de uma cápsula, senhora — afirmou Hawkins.

A capitã encarou o jovem oficial de viés:

— Lance o código no banco de dados e confirme o nome da nave de origem.

— Já estou fazendo isso, senhora.

O resultado surgiu na tela segundos depois:

"Cápsula série C03-AS44, pertencente à A. F. Scorpion, nave de batalha da União sob o comando do capitão Scott Anderson, abatida em 13 de julho de 2.233 durante a Batalha de Ox, na Guerra Haruuk, quadrante Viggrar, nos arredores do planeta Cahri. Sem registro de sobreviventes."

Houve silêncio na doca. A capitã ficou sem reação por um instante e isso foi suficiente para que todos ao redor dela se entreolhassem. Rockeford era famosa em toda a União por seu temperamento "complicado" e pela falta de tolerância com as falhas de seus subordinados. Diziam as más línguas que era mais fria que um cubo de gelo, insensível. Isso fez com que a Forscher se tornasse a nave mais infame e evitada pelos cadetes. Muitos deles chegavam ao ponto de abandonar suas carreiras após a experiência de servir a bordo dela. O rumor mais recente era de que a iminência da aposentadoria a estava deixando louca após trinta e cinco anos de serviço.

— É um sinal fantasma — disse a capitã. — Já faz vinte anos.

— É possível, senhora — confirmou Hawkins. — Mesmo assim...

— Ignore, tenente. Programe as coordenadas para o quadrante Colossus e...

De repente, um chiado preencheu a doca, picotando a voz de um homem afoito numa inquietante transmissão de áudio. Adiantando-se à ordem que imaginou que receberia, Hawkins se dedicou a melhorar a qualidade do sinal. Visto do ângulo regulamentar, aquele era o procedimento correto a ser seguido, mas ele não tinha como saber que, para Helena, ouvir aquela mensagem seria um imenso tormento pessoal.

Rockeford ficou petrificada, os olhos fixos na tela tomada por chuviscos. Aquela voz... Impossível, pensou. A cada segundo, a transmissão parecia mais clara e algumas palavras completas já podiam ser distinguidas entre os chiados e interferências: "... cap... Anderson...corpion... abatidos em combat... requisito ajuda a qualq... da União no quadrante..."

O Fantasma de Cahri (conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora