Se sente culpado, filho?

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Olho pela janela e vejo o sofrimento, sofrimento alheio. Minha mulher não está mais ao meu lado, ela já não estava há algum tempo. Mas agora a dor e o sofrimento são transformados em pedra, sua viagem eterna não deixa-me apreciar. Minha vida já não me faz sentido algum. Isolo-me daquela antiga prisão onde ela pedia tanto para ficar. Tolo! Sou um tolo! Por acreditar que seu sofrimento iria durar para sempre! Mas talvez eu possa escapar desta dura realidade! Não! Ele tirou meu sentido de vida, ele tirou meu afeto. Ele é o culpado. Tirou-me o amor,  amor pela tortura, ele pediu por tudo que cairá sobre seus ombros! Ele deve pagar! Não consigo mais sentir meu coração bater forte ao torturar aquele rato miserável, ou talvez, eu seja aquele e, meu trabalho passou a algo ou alguém bem maior.
A vida sempre me ensinou a ser tão lógico e prático, e tirou-me o direito de me apegar a alguém, a não ser a tortura, que na maior parte de minha vida foi minha diversão ou distração. Principalmente naquela prisão que o homem chama de vida nova! Aquele hospício! Eles mereceram o que lhes foi feito! Nunca exerceram a parte de pais em minha vida. Aquele velho nunca me levou a jogo algum, nunca demonstrou afeto, depois implorou pela vida da bela dama que era minha mãe... Mas eu gostava de observar ele se contorcendo em agonia vendo-lá queimar. Mas houve um erro naquela noite, lembrei-me dos tempos em que implorava por misericórdia, tempos em que ele vinha das ruas, com um cheiro insuportável de álcool e outras drogas. Não deveria ter deixado ele viver, mas ele conviveu com o sofrimento por um bom tempo, foi magnífico! Delicioso! Ele vinha as visitas e não me recordo de nenhuma vez em que ele não me perguntou de que sentimento eu tinha ao estar ali, e eu respondo a ti: me sinto perfeito!
Me vem uma ideia, a salvação, o modo que encontro para recuperar meus sentimentos, Talvez eu deva sofrer, como fiz a outros, mas como? Não poderia morrer, ou então perderia tudo. Vou em uma viagem, a algum lugar onde eu sofra o suficiente antes de meu último ato de covardia, não! Não seria assim, seria um ato glorioso! Dor, escarnio e desprezo, sintomas de meu desespero eterno e irreversivel, ei de me atirar ao mar e morrerei afundando na água gelada para após me esquentar no fogo ardente do inferno.
Passam-se dois dias e já não acredito que mereço viver. A água começa a me esquentar, cheiro de fogo penetra em minhas narinas, elas rasgam! A dor é insuportável. Então tudo para, os céus sujos e ríspidos não estão mais sobre mim, e sem nenhum publico, meu corpo é guiado a beira da tábua, onde passei os meus últimos momentos. Caio a água, já não avisto mais aquele último pedaço de madeira que segurava minha vida, me sinto finalmente livre, como se meus atos foram de misericórdia pela vida de outros, cheios de amor. Finalmente fecho meus olhos com louvor. Meus pulmões ardem e não sinto mais o ar, como antes fazia. Era este o fim?
Acordo, a serenidade me assusta, sem nenhuma preocupação me levanto. Mas então me estendo ao chão, tudo parece estar se movendo como se eu estivesse em algum tipo de embarcação, um navio talvez? Agora, sinto! Sinto dores profundas em todo meu corpo, o ar me falta frequentemente. Vejo uma luz saindo do teto acima de mim, curioso, me estico até ela, e abro algum tipo de porta,  finalmente saio para o local de onde a claridade estava vindo, me encontro num navio. Um homem com ar triste se aproxima, este se chama Deolindo, ele esconde um segredo, analiso seus olhos, vejo que sua alma e esta, está a beira de um abismo, assim como a minha. Nos tornamos bons amigos, quando finalmente lhe pergunto o que havia acontecido em seu passado, o tolo se abre a mim, conta-me de uma moça de grande afeto seu, que havia o esquecido a algum tempo. Bastou puxar o fio de algodão que nele havia, o próprio revela uma característica linda, mostro-lhe todo ódio dentro de si, e este decide virar meu aprendiz. Mostro-lhe a beleza da dor, desprezo e escarnia que a alma humana apresenta, ei de ensinar-lo a usa-lá contra os que não o apoiavam mais.
Desembarcamos no porto de Botafogo, onde sua amada havia antes, o despejado, agora seu destino era sofrer! Porém, Deolindo tinha em mente algo melhor, tirar dela o que lhe havia sido tirado, seu direito de amar, o direito de apreciar, mesmo apreciando de outro modo não era o suficiente, seu desejo por vingança o consumia vivo. Caminhamos dia e noite atrás do noivo de Genoveva, até que o próprio aparece em uma fazenda, sozinho, trabalhando e é neste momento que Deolindo trava, ele não conseguiria fazer uma pessoa tão inocente sofrer por conta de outra. Cabe a mim, como mestre, não deixá-lo retroceder. Nunca! Faço-o continuar, ele puxa uma pistola de apenas um tiro, já carregada aponta para o ombro do trabalhador, para que ele sofra. Sangrando até o fim de seu tempo, sereno diz o dócil amante:
Sei que és um bom homem!
Deolindo não aguenta mais este sofrimento e desaba a chorar. Mesmo assim, me sinto bem, mas de forma alguma, saciado por completo, sinto que falta mais uma coisa. Vou a beira de um penhasco, onde pretendo me libertar. Lá encontro um pescador. Que diz:
está tudo bem, meu filho. Com isto não irá mais sentir nada. Farei contigo!
Noto que em seu olhar há afeto, nada mais sai de meus lábios, além de:
Pai..?
Ele não responde nada e cai para a eternidade.
    O Céu fica preto, a este ponto já não entendo mais nada. Seria este o fim?
Acordo-me, tudo parecia um sonho. Não reconheço meu próprio corpo. Pareço mais velho, me sinto mais cansado, olho em volta e observo um homem ao meu lado, cansado também. Ele me parece sereno, uma pessoa, boa pessoa. Tento o acordar mas não sei mais usar a palavra e acabo fazendo um alarde, tento até jogar a moringa em sua direção, mas este se assusta e pula em cima de mim, já não sinto mais nada! Vou me já e não voltarei jamais.

FIM.

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⏰ Last updated: Oct 03, 2016 ⏰

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