2. Mário

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Podia pensar mil motivos para que ela não o quisesse. Ele não era bonito. Ele não tinha dinheiro. Não chegava nem a ser interessante, exótico ou controverso. Mário era um cara normal. Desses que passam por invisível se não fizerem algum barulho. Mas era com ele que Alice estava naquela noite quente de verão.

Ele fora um bebê pacato de poucos sorrisos, uma criança observadora de muitos olhares e sem jeito para brincadeiras, um adolescente curioso, porém, medroso. Agora era um jovem de muitos interesses, o maior deles, ganhar dinheiro. Queria demais ser alguém na vida. Embora não soubesse ainda o que isso significava.

Mexia com computadores. Isso, no início dos anos noventa, era um universo de grandes oportunidades que se abria a sua frente. Ele imaginava novos mundos. Inúmeros recursos. Estudava linguagem de programação com afinco. E consertava máquinas quebradas nos finais de semana para sustentar seu vício em quadrinhos. Desmontava e montava computadores, numa relação cada vez maior de simbiose. Não precisava de mais ninguém. Ele controlara as variáveis do programa de sua vida. Iria montar um negócio no ramo da informática, ficar rico, e, finalmente, iria saber o que significava ser alguém.

Mário tendia a ser ingênuo. Nunca compreendeu bem como funcionavam as relações humanas. Até tinha algum medo delas. Fugia. Por isso, percebeu tarde demais que é impossível programar a vida.

Naquela manhã, atendera ao chamado de um cara bacana da faculdade. Bacana pela personalidade e pela grana. Estudava para ser médico. Usava roupas caras. Dirigia um jipe velho, mas por opção. Com certeza, aquele rapaz tinha um ou até mais esportivos na garagem. Chamava-se Adriano.

A casa de Adriano poderia facilmente ser classificada como uma mansão. O tipo de construção que Mário só vira nos cinemas. Nem por isso, o rapaz deixava de ser simpático. Conversou sobre futebol, ofereceu bolo, falou de algumas meninas da faculdade. Nenhum assunto interessava de fato. Não gostava de futebol. Não comia bolo. Nem saía com garotas. Mário queria resolver o problema e cair fora dali, trancar-se no seu universo particular o quanto antes, planejar seu futuro perfeito. Mas Adriano continuava a falar como se fossem conhecidos de longa data.

Um amigo em comum os apresentara, disse que Mário consertava computadores e Adriano estava com uma máquina quebrada há meses. Combinaram a visita e o preço. Ele cobrou um pouco mais, o rapaz nem pestanejou em pagar. Mário estava habituado ao silêncio. Adriano falava pelos cotovelos.

Terminou o mais rápido que pôde. Máquina funcionando. Adriano ofereceu carona. Mário recusou sem jeito. Mentiu que ia para um shopping perto. Dava para ir a pé. Adriano não insistiu, não pretendia enfrentar um trânsito de shopping no sábado à tarde, acompanhou o rapaz até a saída. Foi uma longa caminhada.

No percurso até a parada de ônibus, ficou pensando nisso. Um dia, teria uma casa tão grande como aquela, uma casa que precisaria de carro para chegar à saída. Tinha algumas boas ideias na cabeça, logo iria realizá-las. Daria tudo certo.

Ia tão distraído que tomou um grande susto com um carro cantando pneus. Um playboy desagradável subia a rua mostrando a potência do carro novo que seu pai lhe deu. No meio da rampa íngreme, uma moça, com a mão na cintura, acompanhava com os olhos indignada o percurso do automóvel.

Seus grandes olhos verde-água, sua barriga lisa por debaixo da blusinha curta, suas pernas torneadas muito brancas, qualquer característica da moça poderia ter sido a primeira coisa a chamar a atenção de Mário. Entretanto, foi o fato de ela ter usado palavrões em pelo menos quatro idiomas diferentes e alguns em português que ele sequer sabia que existiam que acabou prendendo seu olhar.

─ Que foi? Nunca viu? – Virou-se para ele quando percebeu que não conseguira dar um passo desde que a vira. Mário baixou a cabeça. Mas teve a incomum presença de espírito de dizer:

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