— E ele ficou preso lá? — Daniel perguntou.
— Sim! — respondeu Márcio, em meio a gargalhadas. Cortou um pedaço da sua fatia de pizza e colocou na boca. Antes mesmo de terminar de mastigar, continuou. — Eu juro por Deus, o diretor não sabia o que fazer. Estávamos com o ensaio atrasado por quase duas horas! Já tínhamos perdido as esperanças de ensaiar — disse, olhando para Luíza em seguida.
— Depois de um tempo, o Jota gritava lá de dentro: posso fazer minhas falas daqui, eu ouço vocês — Luíza continuou a história. — Eu não conseguia entender como ele teve a capacidade de se trancar naquela casinha do set e a última coisa que queríamos era desmontar aquela casinha. Paulinho, o diretor, estava puto da vida! Ele dizia: deixa esse moleque dormir aí dentro hoje. Ouviu, rapaz?! Tem que aprender que você já passou da idade de brincar de casinha!
Todos na mesa caíram na risada. Ísis riu com a boca aberta cheia de comida e Loana chamou-lhe a atenção.
— Dois minutos. Ele tinha que entrar na casinha por trás e ficar lá dois minutos. Na sua deixa pra sair dela, de alguma forma o Jota conseguiu travar tanto a porta de trás quanto a porta para o palco — disse Márcio, tomando um gole de refrigerante em seguida.
Daniel sorria. Estava cortando um pedaço de pizza no seu prato para comer.
— Vocês se divertem até mesmo ensaiando, né?
— Todos os dias — Luíza respondeu, sorrindo para Daniel.
— Vou te dizer, filho — Márcio falou, colocando a mão sobre o ombro de Daniel. Virou o rosto para Luíza. — Há tempos eu não me divirto tanto.
— E quando é a data da peça, mesmo?
— Dia sete de abril — Luíza respondeu.
Hum, quero ir ver.
— Claro, filho. Quero que vocês três, incluindo essa gracinha aqui — Márcio dizia, apontando para Ísis. — Vejam o seu velho passar vergonha.
— Eu sei que você vai se dar muito bem, pai.
— Eu também sei — a namorada de Márcio completou, segurando sua mão. — Aliás, querido, já falou para eles da novidade?
— Não! — Márcio respondeu, entusiasmado. — Pessoal, tenho uma novidade para vocês.
— Acho que eu tinha entendido isso por conta própria pai — Daniel disse, rindo.
O pai retribuiu com outra risada.
— Não quero me precipitar, mas é possível que eu largue meu emprego de representante de vendas de vez.
Daniel ficou sério.
— Tem certeza, pai? Acha que as peças vão ser o suficiente?
— Não. Por enquanto. Mas a Luíza e o Paulinho conversaram com o dono do teatro, um cara que parece um irlandês se você vê ele de primeira, e conseguiram um emprego para mim.
— É mesmo? Qual a função? — Loana perguntou, enquanto cortava um pedacinho de pizza de calabresa para Ísis.
— Vou gerenciar o fluxo de caixa. Não só das nossas apresentações, mas de todas.
— Parabéns, pai!
— Pois é, é excelente. É algo fixo e que vai me aproximar ainda mais do teatro. Quem sabe um dia eu consiga chegar aos pés desta profissional e poder me sustentar só das artes — Márcio completou, colocando a mão sobre a perna de Luíza e beijando-a na boca em seguida.
— E, acreditem, ele até que tem potencial — ela disse, rindo.
Todos ficaram em silêncio por alguns instantes, aproveitando sua refeição. Márcio quebrou esse silêncio. Levantou-se, com o seu copo de refrigerante na mão.
— Mas, pessoal, acho que quem está realmente de parabéns é esse rapaz aqui — disse, apontando para Daniel. — Daniel, meu filho. Você é o cara.
Todos se levantaram, incluindo Daniel. Levantaram os copos à mesma altura que Márcio levantara o seu.
— Eu tenho muito orgulho de ser seu pai. Sempre tive certeza de que você seria um sucesso. Sempre soube que seria a estrela em cima da árvore genealógica da nossa família.
Todos se entreolharam.
— Pai, você está frequentando o teatro demais. Acho que está ficando muito filosófico.
Risadas.
— Um brinde ao Daniel, o médico mais promissor da cidade!
Os membros ao redor da mesa juntaram seus copos e brindaram. Márcio brindou com seu refrigerante. Luíza, com champanhe. Daniel e Loana, com cerveja. E Ísis esticou seu bracinho com o copo de refrigerante na mão para alcançar os copos de todos, sem sucesso, mas com um sorriso espontâneo nos lábios.
Beberam seus drinques e se sentaram.
— Gostaria de fazer um discurso também — Daniel disse. — Primeiramente, gostaria de pedir desculpas por estarmos jantando pizza na primeira noite que nos encontramos nesta casa. Foi um improviso por causa dos atrasos que os nossos corres nos geraram hoje.
Risadas.
— E também gostaria de homenagear uma mulher que não está conosco aqui hoje. Mas tenham certeza de que ela tem todo o amor desta família, onde quer que esteja. Em nome da Loana, da Ísis e a mim mesmo: dona Marta, que Deus a abençoe.
Os adultos abaixaram a cabeça, com os copos levantados, e disseram a mesma palavra:
— Amém.
Voltaram a comer.
Loana segurou a mão de Daniel.
— Obrigada, meu amor.
Ele sorriu e a beijou.
Lá fora, Daniel estava vestido com um casaco, com as mãos nos bolsos, admirando a vista. O terreno onde a casa estava era alto e se podia ver quase a cidade de Curitiba inteira dali. Fazia frio. Cada vez que o ar quente saia de seus pulmões para a atmosfera, formava uma bola de fumaça.
Márcio chegou por trás de Daniel e se alinhou ao seu lado.
— Acha lindo? — perguntou ao filho.
— Bastante — ele respondeu, compenetrado.
Márcio olhava para o filho, que continuava a apreciar a paisagem.
— Como estão as coisas, Dani?
— Está tudo bem, pai.
Daniel sentiu o braço do pai sobre seus ombros.
— Está mesmo? — O rapaz olhou para Márcio.
— Acho que sim.
— Como assim?
— Está tudo certo, pai. Olhe ao nosso redor. Tudo está muito bem. Bem demais. As coisas estão cada vez melhorando mais.
— Sim, tem razão. — Fez uma pausa. — E você acha que não merecemos isso? Que você não merece isso?
Daniel olhou fixamente nos olhos do pai.
(Daniiiiiii, abra a porta. Eu estou chegando e eu vou te pegar)
— É, tem razão. Merecemos, sim.
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Utópico
Mystery / ThrillerDaniel Reis é um médico curitibano com uma carreira em ascensão e um futuro brilhante, mas que esconde um passado sombrio. Atormentado pelo assassinato que cometera e que nunca viera à tona, sua sede por sangue se alia à sua revolta para com o mu...