1 - O Bar

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1.1 Paula

No final do dia, com a porta já abaixada, pegou o pano dobrado e umedecido e começou a corrê-lo sobre o balcão. No passado ele fora de madeira e se lembrava de como era mais difícil limpá-lo, com o tempo foi ficando muito manchado e as laterais machucadas chegaram a receber reparos por duas vezes, por fim acabou sendo substituído por uma comprida placa polida de granito que, no primeiro momento, achou muito linda, mas que, depois de passado o entusiasmo inicial, achava muito inexpressiva e a associava ao declínio do lugar, cuja alteração coincidira com a decadência dos trabalhos nos armazéns da região, o que causara uma debandada dos trabalhadores para outros locais e, consequentemente, o esvaziamento de seu bar.

Ainda se lembrava de quando seu pai chamou dois homens para instalarem alto-falantes no topo das paredes logo acima da estante de bebidas. Segundo ele pensava, colocaria música no ambiente, mas a faria soar em volume bem baixo, de sorte que as pessoas teriam de fazer silêncio para poderem ouví-la, e isso iria acalmar as alvoroçadas discussões que surgiam frequentemente ao fim da tarde, entre os grupos de amigos que por ali paravam depois de terminarem o serviço e antes de irem para suas casas. Na prática o que aconteceu foi que, de início, ninguém nem notou que ali havia qualquer música, posto que ficava sempre abafada pelo constante vozerio e, depois de algum tempo, e de aumentos graduais e sucessivos que seu pai aplicava no controle de volume do rádio, esperançoso de obter o efeito silenciador desejado, conseguiu-se apenas o aumento da complexidade daquele embaralhado de vozes, de ruídos e, agora, também de música. Passado alguns dias, os alto-falantes caíram em desuso.

Lembrava-se de que ele não gostava que ela ficasse por perto quando havia homens no balcão, dizia que aquele ambiente não era adequado para uma criança, principalmente para uma menina, mas ela achava estranho, pois era com aquele ambiente que ele conseguia o dinheiro necessário para sustentar a casa, que, aliás, era contígua ao salão, de modo que uma porta da cozinha da casa saía diretamente atrás do balcão do bar. Desta maneira, ajudava o pai trabalhando no cômodo ao lado, lavando para ele copos e pratos que ele depositava na pia, atravessando a porta que dividia os dois espaços. Ao ouví-lo descer a porta principal, que fazia um barulho metálico escandaloso ao desenrolar do topo para baixo, ela vinha para ajudar na arrumação; ele deixava, embora a contragosto, o que ele nunca imaginara é que um dia ela tomaria conta de tudo, e que o tudo seria tão pouco.

***

Paula entrava na sala de aula e atraía muitos olhares. Estava começando o primeiro ano do ensino médio e, embora fosse a mesma escola em que concluíra o fundamental no ano anterior, havia uma boa parte de estudantes novos, vindos de outras escolas, ocupando as vagas dos alunos que não continuaram ali os estudos; as poucas amigas que tinha faziam parte dos que abandonaram a escola e passou a se sentir meio deslocada naquele lugar.

Ela era bonita, de rosto liso, corpo esbelto, porém encorpado nas regiões certas, de sorte que suscitava a imaginação dos que se aventuravam em adivinhar-lhe a silhueta oculta sob suas vestes. Mas isso não lhe agradava, pois as aproximações que recebia eram em sua maioria toscas, ou assim as julgava, adivinhando logo o seu intuito primário. Havia também uma certa aversão por parte das outras garotasda escola que a enxergavam como uma concorrente insuperável, não obstante ela jamais cogitasse se envolver com alguém daquele meio.

Embora fossem o mesmo lugar, o mesmo prédio e as mesmas árvores, algo havia mudado e ela não sabia exatamente o quê. Não seriam as pessoas a sua volta, embora existissem rostos novos, poderia prever que o comportamento destes era similar ao dos outros já conhecidos. Toda aquela mesmice, a falta de idéias novas e a frivolidade geral lhe causavam estranheza. Não tardou a perceber que, enfim, era ela quem tinha mudado, e todo aquele ambiente que não se alterara ao mesmo passo lhe era agora quase insuportável.

O Velho DecrépitoOnde histórias criam vida. Descubra agora