Capítulo Único

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— Não há nada a ser feito — disse Richie — acabou, irmão.

Seth encarou Amaru no auge de sua força. Seus cabelos avermelhados esvoaçavam, o olhar aterrorizante não deixava dúvidas que a jovem menina que ele outrora abandonara naquela estrada deserta estava longe da que habitava aquele corpo. Sentiu a esperança esvaecer por um instante.

— Precisamos pesquisar mais! — Seth exigiu, em negação.

— Em breve o ciclo será concluído. Amaru deixará o corpo de Kate em cinzas e ressuscitará no próprio — Richie tocou em seu ombro; um pequeno gesto de reconforto — temos coisas mais importantes para tratar agora. Será o inferno na terra. Nenhum de nós irá sobreviver se não tomarmos providência.

Seth encarou Amaru por alguns instantes, enquanto ela recitava frases numa língua que ele jamais aprenderia. Ela mirava os céus, sua voz poderosa ressoava no ambiente, enquanto seus seguidores ajoelhavam-se e veneravam sua rainha. Foi então que tudo fez sentido.

Seth virou-se lentamente, até seus olhos encontrarem o de Richie. Seu irmão vacilou, ajeitando os óculos inúteis em seu rosto.

— Existe uma maneira. — Afirmou.

Richie nada respondeu. Não seria capaz de mentir àquela altura, chegara a certas conclusões que preferia que Seth não ouvisse. Não havia tempo.

— Sacrifício humano. — Disse Seth entredentes.

— Só temos culebras por aqui. Não há tempo de encontrar alguém. Vamos! — Richie puxou-o pelo braço, ansiando para sair dali o mais rápido possível.

— Um de nós é humano. Eu. — Seth desvencilhou do toque.

Richie encarou-o nos olhos, buscando por qualquer sinal de incerteza. Mas nunca vira Seth tão decidido a fazer alguma coisa. Existia algo quase puro em seu olhar. Estava longe de ser sua própria busca por redenção, onde acreditava que salvar Kate poderia salvar sua alma.

— Seth... — Richie tentou avançar, mas o irmão já estava longe.

Seth retirou um punhal do casaco e adentrou o círculo de Amaru. A mulher o encarou de maneira petulante, como de costume, mas algo em seus olhos delatava que não sentia-se tão confiante. Ele fitou seus olhos tão profundamente que foi capaz de ver Kate através deles. Sorriu, não existia um motivo melhor para morrer. Ela o culpava, era verdade, mas não mais que ele mesmo. Toda aquela jornada desde que ela fora possuída, revelou o pior (ou melhor) dentro dele. Nunca em sua vida viu-se importar tanto com alguém além de seu irmão. Sua morte seria poética e Kate, sua musa. Ainda não sabia exatamente o que todos aqueles sentimentos significavam, ou poderiam vir a ser, mas estava disposto a sacrificar-se por eles. Ignorou os gritos desesperados de seu irmão ao fundo e como em câmera lenta, esfaqueou a si mesmo.

Amaru esbravejou de ódio, enquanto o seu corpo original voltava às cinzas bem a sua frente. Não muito depois, começou a sentir-se sugada do corpo de Kate. A menina aproveitara o momento para se impôr. Com todo o círculo assustado, a multidão dispersou, correndo para todos os lados. A cada minuto sentia-se mais fraca, sem ter mais energia para canalizar. Kate, através de seus olhos, gritava em desespero pelo o que via a sua frente. Estava a cada minuto mais próxima de voltar a ser ela mesma mas pouco se importava com isso. Seth estava morrendo, por ela, e as últimas palavras que ele ouvira de sua boca era de que não o perdoava. Uma brutal mentira. Se existia algo que Kate era capaz, isto era perdoar. E como não perdoaria alguém que sacrificava a vida por ela?

Logo viu-se em plano terrestre. Amaru havia ido embora (sabe-se Deus para onde) e a exaustão a levou ao chão. Sem a presença sobrenatural dela, não era capaz de lidar com toda a energia que a cercava. Arrastou-se pelo chão, de encontro à Seth.

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