Era um dia ensolarado de primavera, com um sol ardente em um céu sem nuvens. Pensando bem, quase todos os dias aqui são assim, especifoca-lo é quase uma redundância. Então, vamos dizer que "Era um rotineiro dia ensolarado de primavera...", remete mais o clima do local. Pensando bem, isso o faz perder a poesia, a singularidade que o torna tão marcante... Então preservemos a primeira parte. Afinal, o quão miserável seria a vida sem as pequenas e grandes poesias que a cercam? Muitas coisas aconteceram para que eu chegasse a essa conclusão.
O clima em Vila Das Praias é tropical, o sol abrasador normalmente é amenizado pela brisa fresca, soprada pelos mares próximos. Aqui as pessoas aguardam o frio como o natal aguarda a neve, porem a mudança do clima quase que constantemente quente, logo trás suas consequências, afetando a saúde dos mais fracos, ou os planos dos amantes das praias.
No dia em questão, o sol não ardia tanto assim. Os ventos frescos amornavam a pele, e os passaros cantavam alegres pelas árvores do quintal. Todas as plantas haviam aderido à moda da estação e se vestiam dos mais variados tons de rosa, amarelo e vermelho; o verde das folhas aparentava estar no auge da cor. Parecia mais um dia ensolarado e cheio de vida... Vida. Uma grande ironia esse dia.
A notícia era triste. Uma grande amiga havia morrido de uma forma trágica. O carro em que estava havia batido e pegado fogo. A mãe fora arremessada e havia tido algumas fraturas, já a filha não tivera tanta "sorte". Me lembro da criança que ouviu aquilo. Quero dizer, não era eu quem estava ouvindo a notícia, com meus ouvidos de agora, mas sim uma criança de ouvidos inocentes e sem muito o que fazer ou entender. Era triste, de fato, mas porque? E o que aconteceria agora? O que vem depois das notícias trágicas? Era complicado, mas logo já havia me recuperado. A não ser por uma imagem, a ultima imagem que tenho dela. Era a única coisa que, sempre que vinha a minha mente, trazia-me uma sensação estranha, um aperto no peito que não sabia explicar na época. Mais tarde aprendi que o nome disso era saudade. Ainda lembro-me exatamente como foi. A cena se repetira várias e várias vezes ao longo de todos esses anos, e ainda conseguiria fazer um retrato falado dela com riqueza de detalhes. É incrível o poder da saudade.
Isso foi a 17 anos.
Nesse tempo acontecera muitas coisas mais, coisas das quais infelizmente me recordo bem, da mesma forma que me recordo de alice, minha amiga. Se repete da mesma forma, a mesma cena do mesmo início ao mesmo fim. Porem não sinto mais dor. Já me recuperei de tudo, nunca me permiti abater por muito tempo; a vida não para nos recuperarmos de nossas dores. Porem sempre imaginava aquela criança que era, as dores que sentira sem ter culpa de nada. Hoje confesso ter meus pecados a pagar, tenho muitas dívidas a acertar, seja com quem for. Porem aquela criança não, ela só merecia ser feliz e mais nada, e apenas isso me dói.
Mas tento esquece-la, apenas deixa-la descançar, deixa-la ir para seja onde for o paraíso das lembranças. Porem ainda penso que apenas uma coisa traria-nos verdadeira paz. Eu poder abraça-la e dizer docemente que tudo ficará bem no futuro. Que ela será suficientemente forte para fazer seu próprio final feliz. Tudo ficará bem.
YOU ARE READING
Inconsciente
FantasyUma vida construída sobre as ruínas de outra, da origem a um ser humano peculiar. Sempre visitando suas memórias em busca de consolo, Pan da continuidade a sua vida e rotinas depois de um início de vida difícil, mas não consegue evoluir emocionalmen...