Algo que ainda me surpreende nessa vida é como cada um deve viver suas experiências para tirar suas impressões delas, seja participando ou assistindo. Pessoalmente, considero-me uma pessoa falante e extrovertida, com tanta fissuração por exibir meu mundo interior que seria capaz de fazer qualquer um entediar-se apenas em dez minutos de diálogo, já que falaria apenas de mim. Mas talvez esse desejo que beira o descontrole tenha sido superado há alguns anos, quando encontrei o caminho da sabedoria do participar assistindo, do ouvir. E trilhar essa estrada não foi nem está sendo assim difícil quanto eu imaginava que seria, visto que uma das minhas atividades preferidas sempre foi participar passivamente de histórias que não são minhas, no caso a leitura. Saber da opinião de pessoas cujas ideias eu valorizo costuma ser um critério primordial na escolha da próxima obra a ser lida. Porém, o mais interessante é que não raras vezes li livros que mudaram a vida de quem me recomendou sem que eu sinta os mesmos sentimentos de mudança correrem em mim. E as vezes, até mesmo livros que eu pensava que me fariam ser alguém completamente diferente depois do término não chegaram nem a metade da parcela que eu garantiria que chegariam. É então que me vejo em surpresa associando períodos da minha vida que podem ser até anos inteiros a livros nos quais ninguém me havia dito nada sobre o enredo ou que nem eu esperava encontrar a fonte de uma epifania. Podem ser livros que no fim da história eu não dê uma boa nota para o que li, no entanto, o que eles representaram para mim jamais será esquecido. E essa viagem é um desses livros.
Hoje acordei como quem acabou de ler uma dessas histórias. Assisto ao que ocorre ao meu redor sem muito senso crítico, já que meus pensamentos ainda estão se direcionando incessantemente aos acontecimentos da noite passada, independente dos esforços para me distrair que eu me iludo dizendo que estou fazendo, como conversar com a minha família ou usar o computador. O lado bom disso é que, já de noite, indo de volta para o aeroporto, pude me despedir dos que ficaram em casa sem que isso me corroesse como costuma corroer cada despedida.
Essas histórias, quando chegam ao fim, nos tornam incapazes de começar uma nova logo nos momentos seguintes, e mesmo que por um lado possamos estar felizes com o fim delas, um outro lado nos deixa desesperados para que exista uma sequência qualquer.
Sei que muitos dos meus problemas são consequência diretas da ingratidão. Nós não somos capazes de abandonar um hábito da noite por dia. Entretanto, uma vez indicado o caminho da mudança, eu acredito que o percorrer se torna muito mais fácil. E nestes dias puder ver mais claramente para onde caminhar caso eu queria deixar o passado de fato para trás, e também para onde ir se eu quiser render graças pelo que tenho.
Hoje, posso ser uma pessoa grata porque meu livro que parece ter acabado ganhou um capítulo novo. Um epílogo.
No aeroporto, algumas pessoas vieram me desejar boa viagem antes de se despedirem. Entre elas, meus antigos amigos.
Talvez todas essas palavras deem a impressão de que estou vendo a situação com uma óptica mais adulta. O que jamais seria verdade. Mais uma vez reforço que encontrar o caminho da solução não é de fato encontrá-la.
Minha mente certamente está mais estável do que estava ontem, no calor da situação que eu não previra. Decido que as páginas da nossa história estão manchadas, o que precisava ser dito assim foi feito. Por isso, depois que passar para ala de embarque, eu vou deixar meu coração na porta. Eu não vou dizer mais nenhuma palavra, elas já foram todas ditas antes, vocês sabem.
Ao vê-los na minha frente de novo, sei que eu não preciso das suas honestidades, elas já estão em seus olhos e eu tenho certeza de que os meus também falam por mim. Fico feliz em saber que mesmo lentamente eu estou fazendo melhoras em interpretar os sentimentos dos outros. Até porque ninguém me conhece como eles. Eles não estão aqui para tentar de novo, mas para selar as despedidas de uma maneira que seja capaz de encobrir a ocasião incoerente da noite anterior. Então, por que nós não apenas fingimos que não tememos o que está por vir? Ou que não tememos que nada tenha sobrado?
Pelo menos, com a cabeça mais clara e fria, após os cumprimentos eu consigo me conter e não falar mais do que deveria.
- Olha, não me levem a mal, eu sei que não haverá amanhã para nós. – Eu diria. – Quando eu tiver saído do país e me ver outra vez com os problemas reais e aumentados me cercando, digam-me para quem eu devo correr, uma vez que vocês são os únicos que importam?
"Agradeço por virem" é o que eu digo.
Não sei se eles se sentem à vontade para abraçar, por isso sou eu quem se aproxima e faz menção de ter cada um em meus braços por um tempo. Ainda tenho muito o que aprender com todas as variedades de amor que existem, mas deixem essa ser a nossa lição no amor, deixem essa ser a forma na qual nós nos lembraremos de nós mesmos. Eu não quero ser cruel ou ser uma pessoa dura. E mesmo que ontem eu tenha tornado a situação que poderia ter sido uma memória agradável em um momento desconfortável, eu não estou pedindo perdão. Tudo o que eu peço é que se esta é a minha última noite com eles, é que eles me abracem como se eu fosse mais do que um camarada. Deem-me uma lembrança que eu possa usar e me guiem enquanto conversamos coisas que pessoas que realmente se amam conversam. É importante como isso termina! Por que e se eu nunca amar novamente?
Porém nenhuma dessas minhas introspecções saem à luz. E mesmo assim, falando coisas simples e trocando cumprimentos causais, a situação não deixou de ter sua profundidade e significado elevado. Um epílogo coerente com o livro marcante de enredo simples.
Eu sinto o peso do adeus agora com ombros mais preparados para suporta-lo. E como eu disse que faria, quando cruzo com meus primos o portão de embarque, deixo ali minhas despedidas para todos junto com o meu coração.
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FanficAmizades são usualmente mais profundas e marcantes do que grandes amores. Todo o dia que começa traz consigo um fragmento do novo eu que seremos no futuro, porém fragmentos com intensidade não equivalentemente distribuída ao longo deles, nem com qua...