Seis meses... Seis longos meses desde que vi seus olhos com vida uma ultima vez, que vi sua pele rosada e quente empalidecer, que senti o seu ultimo suspiro após aquela bala entrar em seu peito e você me deixar. Mas hoje vou te trazer de volta, Alex.
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- Onde está o corpo, James?
Do lado de fora da casa de Madame Dinorah, abro o porta malas do carro e tiro o corpo recém-desenterrado dela. Embalado num lençol branco para não levantar suspeitas, levo-a para dentro da casa.
Janelas e cortinas fechadas impedem a entrada do sol quente de verão. Velas cercam o ambiente. Sinto-me estranhamente confortável aqui.
Sento-me no chão em volta do círculo de sal grosso com dizeres estranhos pintados em tinta branca. O corpo de Alex abraçado ao meu.
- Pronto? Você tem menos de uma hora para entrar no Purgatório, encontrar e trazê-la com você. Se perceberem que há uma alma estranha, vocês já eram, entendeu?
Balanço a cabeça concordando, sem tirar os olhos do corpo em meus braços. Não tenho forças para falar. Estou nervoso e com medo de não conseguir cumprir minha missão.
- Ah, acima de tudo, não deixe a escuridão te pegar. Se a avistar, fuja. Corra o mais rápido que puder. A existência de vocês dois depende disso.
Guardo a informação, mas não falo nada.
Madame Dinorah começa a se preparar e joga gotas de alfazema em mim e Alex. O cheiro é inebriante. Algumas palavras em um dialeto estranho são ditas e sinto meu corpo tremer e amolecer aos poucos. Estou perdendo minhas forças. Meus olhos travam uma batalha com minha mente, e a cada piscada pesada, uma imagem diferente invade minha cabeça. Alex, nós, a morte, uma floresta.
Quando abro os olhos, o cansaço se esvaiu. Estou totalmente desperto, sem o corpo de Alex e em um lugar completamente diferente da casa de Madame Dinorah. Percebo que é a mesma floresta de antes que eu apagasse. O lago é o ponto de referência para quando eu voltar.
Tenho apenas uma hora para encontrar Alex e levanto-me para ir à sua procura. Ainda é dia, mas o calor se foi, dando lugar para um frio cortante e uma névoa densa que cobre grande parte do ambiente, impossibilitando minha visão de alcance. Preciso correr.
A névoa caminha comigo pela floresta e é cada vez mais difícil enxergar alguma coisa. Sons e gemidos parecem estar há poucos metros de mim. Olho com calma ao meu redor. Nada além de névoa. Viro-me e um sussurro ao pé do ouvido me faz pular de susto.
- James...
Alex! Posso ouví-la, meu Deus.
Sigo sua voz em desespero, mas outras surgem cada vez mais altas, confusas e assustadoras. Piso em falso e caio de cara no chão, fazendo a névoa se abrir e avisto uma casa branca em meio à floresta escura. Mais uma vez, ouço-a me chamando. Não penso duas vezes e corro até a pequena porta vermelho sangue.
Abro-a e fecho com tanta força que sinto a madeira estalar em minhas mãos. E então... silêncio. Os gemidos e vozes se foram, assim como a voz dela.
Já recomposto, analiso a casa. Escura, úmida e cheiro podre de enxofre. Chamo por Alex na esperança de que esteja aqui. Nada. Vasculho cada canto até que vejo uma sombra atrás do balcão da pia. Ali está ela.
- ALEX!
Vou ao seu encontro, mas paro imediatamente. Ela me encara e vejo algo entre raiva e tristeza. Tento analisá-la. Os longos cabelos castanhos estão pesados e sujos. O rosto angelical agora parece carregar ódio em meio às lágrimas de seus olhos azuis. Desço o olhar e, na blusa branca, na altura do peito, a grande mancha de sangue.
Com cautela, me aproximo.
- Alex, sou eu, James. - dou um passo, mas ela levanta imediatamente com uma faca na mão.
- Vá embora! Por favor, vá embora. - ela diz entre lágrimas, segurando sua arma com força. - Não aguento mais isso. Vá!
- Alex, larga a faca. Sou eu, okay? Olha pra mim. Estou aqui. Vim te buscar.
- Não! Você não é real. Não é! Vai embora!
Mais um passo a frente e, num movimento de desespero, ela me ataca. Ao ver a faca em minha direção, pego seu braço e a imobilizo. Com a outra mão puxo sua cabeça de encontro a minha e a encosto na minha testa. Ela chora e tento fazê-la entender.
- Quando éramos crianças, te dei uma rosa que roubei da vizinha, lembra? Você ficou tão triste quando ela morreu que passei a te dar uma rosa por semana toda quarta-feira. Tenho feito isso por 20 anos. Você foi minha melhor amiga a vida inteira. Somos nós dois contra o mundo. Vim tirar você daqui.
Sinto Alex relaxar e a solto. Seus olhos alcançam os meus.
- James.
Entre lágrimas, nos abraçamos e nos beijamos.
Deus, como senti sua falta.
Com ela ainda em meus braços sinto uma presença estranha nos observando. Volto-me para a janela e a sombra passa rapidamente. Lembro do que Madame Dinorah falou: a escuridão.
Pego Alex pelo braço e saímos em disparada. Já na floresta, correndo, viro-me para encará-la e tudo atrás de nós está sumindo. Há apenas escuridão. Corro o mais rápido que posso, puxando Alex com força para me alcançar. Então a floresta a nossa frente também some aos poucos, como se as luzes estivessem se apagando e a escuridão nos alcançando.
Meu Deus, e agora?
À frente percebo o lago por onde cheguei, ainda iluminado pelo dia. Corro ainda mais, vendo a escuridão se aproximar cada vez mais de nós.
Não vamos conseguir.
Chego ao lago junto com a escuridão, agarro Alex com força, cubro seu rosto, fecho meus olhos e me despeço.
- Eu te amo, Alex.
Abro os olhos e estou na sala de Dinorah como se nunca tivesse saído. Estou cansado, o corpo exausto e suado. Mal consigo recuperar a respiração quando olho para o corpo ainda em meus braços.
Eu falhei.
As lágrimas brotam em meus olhos e meu peito se espreme em desespero. Estou sufocando.
Eu falhei.
Dinorah abre o círculo para que eu saia, quando sinto o corpo em meus braços se mexer lentamente. Olho para o lençol branco sem acreditar.
Será que...
Com a mão direita retiro uma parte do lençol que cobre seu rosto. Grandes olhos azuis me recebem e como num sopro de ar, ouço sua doce voz dizer meu nome.
- James.
FIM
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Resgatando Alex
Short StoryNeste pequeno conto, após a perda de sua namorada, James tenta de tudo para trazê-la de volta à vida. Mesmo que isso signifique ir para o Purgatório para resgatar sua alma da temida escuridão.