O Espaço, o Amor e a Morte

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Quase 30 ciclos dedicados ao transporte de tropas, suprimentos e equipamentos por incontáveis galáxias e ela ainda não havia se acostumado às dores que sentia ao sair da hibernação. O protocolo exigia que fosse o primeiro oficial a ser despertado. Pelo menos isso lhe dava tempo de se recompor e evitar o embaraço de sentir-se velha na frente dos outros. Faria 50 ciclos de vida em breve e pôde sentir o peso da idade como a gravidade de uma estrela.

-Capitã Rye - ouviu a voz feminina que vinha de todos os lugares da sala de hibernação -Seus sinais vitais estão estabilizados. Sente algum incômodo?

-Olá Lyl, tudo normal exceto pela preguiça - murmurou Rye, em resposta à Inteligência Artificial. Sua voz ainda estava fraca - Só preciso me espreguiçar um pouco - passou então a esticar as costas, braços e pernas até o limite dos tendões. Agora precisava de um banho para remover o líquido de hibernação que já estava pegajoso em sua pele.

-Está pronta para o relatório cap? - mais um protocolo a ser seguido. Lyl lhe daria o status da nave, da tripulação, da carga, nível de suprimentos, de água, alimentos, oxigênio e a capacidade de produção de plasma dos reatores. Somente após isso é que poderia autorizar que o restante da tripulação fosse acordada.

-Sim Lyl - sussurrou, em um tom monótono, levantando e caminhando em direção à sua cabine.

Seguiu pelos corredores intencionalmente iluminados de forma indireta. Demoraria um pouco até recuperar totalmente a visão. A audição, entretanto, estava perfeita e os sons que a nave emitia eram reconfortantes. A estrutura de liga de ircônio galoriano se contorcia conforme gases e fluidos transitavam pelos dutos espalhados por toda a extensão do velho cargueiro espacial. Se prestasse bastante atenção, poderia ouvir o crepitar da energia iônica transitando por detrás das paredes. Sentiria falta disso tudo quando se aposentasse. Entrou em sua cabine e foi direto para o banho. Optou pelo método clássico e deixou a água quente escorrer sobre seu corpo.

-Foi necessário alterar nossa rota, por isso a tirei da hibernação mais cedo. Preciso que autorize o resgate verbalmente.

-Espere um pouco Lyl! Como assim mais cedo? E você disse resgate? - disse Rye ao perceber que não prestou atenção em nada antes de "alterar nossa rota" - Repita o que aconteceu para que você mudasse nossos planos desse jeito.

-Quando passávamos pelo Quadrante 2 da Galáxia de Monteir, captei uma oscilação grande na massa de matéria escura dessa área - uma das paredes do quarto iluminou-se com um mapa e Rye pôde ver de onde vinha a tal alteração - Isso gerou ondas gravitacionais que enlouqueceram meus sensores e decidi verificar. Abri todos os meus canais de comunicação e captei um pedido de resgate numa frequência que não utilizo quase nunca. Vou transmiti-la agora: "Comandante da Frota (chiado) número 1DK1F solicit (chiado) reator de dobra no Quadrante (pausa) Quadrante 8 da Galáxia de Gonthar (chiado) reator de fusão de plasma danificado, sem energia (chiado) nave sendo puxada pelo planeta EN227, rápido". Fim da mensagem.

Rye estava paralisada. A pele azulada havia adotado uma cor rosada, o que acontecia sempre que era surpreendida. E estava muito surpresa.

-Cap? - a voz de Lyl a tirou do transe momentâneo em que se encontrava.

-Lyl, quando você captou essa mensagem? - perguntou tentando se recompor.

-Há 2 pacs. Seus sinais vitais indicam alto nível de estresse, cap - não era preciso ler os sinais vitais para saber quais emoções passavam pela cabeça de um kartariano. Sua aparência as entregaria. Rye estava cinza agora e esse estresse nada tinha a ver com a mudança de rota.

-Lyl, reproduza o chamado de novo - precisava se certificar e a IA reproduziu novamente - Mais uma vez, por favor - Era Mik. Tinha certeza agora. A voz que havia ficado na sua cabeça ao longo de 20 ciclos.

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