Crônicas do Táxi - o velhinho, o supermercado e a conspiração

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Saí hoje por volta das 10:00h para ir ao cartório. Na volta, procurei meu típico meio de transporte. Avistei ao longe, um senhorzinho, simpático, cabelinho branco que deveria ter seus 70 anos. Ao fim da corrida, constatei estarrecido que ele tinha 143 anos e devia ser algum tipo de experiência conspiratória.

Entrei no carro.

Dei boa tarde.

Informei o trajeto.

Logo após minha breve fala, o senhorzinho começou a me contar sua longa vida.
Ele começou a trabalhar aos 12 anos. Trabalhava nessa época com o pai e não deixou claro o que fazia. Eu dava pouca importância pensando: "conversa de taxista". Em seguida ele começou a reclamar do trânsito e então deixou escapar que há 56 anos ele trabalhava na praça. Contou-me algumas peripécias do trânsito e os motivos que o levam a desistir desta vida na próxima semana. Ele continuou conversando quase sozinho, não fosse pelos meus "hum-hum", "sei", "entendo", "ah tá".

Na continuação, passamos a conversar sobre seu tempo de açougueiro... 37 anos!! Descorremos sobre tripas e carnes e vísceras e o fedor da feira em que ele trabalhara por 37 anos dedicando-se EXCLUSIVAMENTE a arte de destrinchar e molhar a carne com sangue para parecer fresca.

A esta altura eu já fazia contas. Espero que vocês também estejam.

Depois que largou as tripas, montou um comércio na área industrial da cidade, onde durante 38 anos dedicou-se a venda de cordas, lampiões, óleo e manteiga a retalho. Vendia também andrajos e gaiolas e ratoeiras e pão que era levado para as casas em cestinhas que as donas de casa ou crianças remelentas, sujas e sem camisa levavam ao comércio.

Quando chegamos nesse ponto eu já sorria incrédulo.

Voltamos ao assunto do comércio e é aí que começa a conspiração. Ele acredita que o Maciel (1) faz parte de um esquema de lavagem de dinheiro INTERNACIONAL e tem como pareceiro meu caríssimo Mateus (2). A explicação para essa suspeita é o FATO de NINGUÉM, (NINGUÉM NINGUÉM!!!) consegue ganhar tanto dinheiro e ter tantos estabelecimentos em tão pouco tempo. "Mas quanto tempo?" - perguntei. "POUCO!" - foi a resposta.

Ele continuou descrevendo todo o esquema de lavagem e disse que "o dono do mar" era o poderoso chefão. Ele daria dinheiro para as pessoas manterem estabelecimentos mercantilistas para que o ajudassem em seus estratagemas "politicantes". Segundo, nosso (agora nosso, claro!) conspirador, até o nome dos estabelecimentos começam com a mesma letra (coincidência??) e tiveram um desenvolvimento meteórico (Mas quanto tempo? - POUCO!). Meus amigos pasmem: A letra inicial é a mesma letra que inicia o nome do Estado. Quando ele me disse isso estremeci.

A esta altura eu não via a hora de chegar em casa e o trânsito na Daniel de la Touche não ajuda em nada nessas horas. Eu não queria mais saber de nada. Imaginei a Agência Brasileira de Inteligência fechando o carro e nos levando pra um galpão no desconhecido e me interrogando. Ou pior: "Eles..."
Pensei que as coincidências tinham acabado e então ele solta: "Por que um deles tem tanto orgulho de ser maranhense? Tem até a bandeira flamulando em frente a cada um deles???" Então, eu sensato, pergunto: "Mas e o outro??"
"É um leão que nem os do palácio (3)!" - responde.
Gelei!

Pensei que em algum momento ele arrancaria aquela carinha de velho e um agente estaria por baixo me investigando por algum motivo... Mas não aconteceu. Já estávamos chegando em casa. Ele olhou meu condomínio, parou um instante e perguntou: "É aqui que o senhor mora?"
Respondo positivamente e meio sem vontade pergunto o porquê. Ao que ele respira fundo, olha em volta desconfiado entra no carro e diz: "NADA!"

Referências:
1. Grande rede de suoermercados local
2. Outra grande rede de supermercados local
3. Referência ao Palácio dos Leões, sede do Governo do Estado.

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