- Eu juro que não é meu. Você pode perguntar para o Júlio que eu não coloquei isso aí. Deve ser dele.
Não adiantava falar, Liliana estava furiosa. João estava mentindo de novo. Estava andando com outras mulheres novamente e a prova era o preservativo que ele carregava em seu bolso traseiro da calça jeans.
- Você fica o dia todo lendo esse Luís Fernando Veríssimo e sua cabeça fica inventando coisas. Esse negócio aí é do Júlio mesmo. O pessoal lá do serviço fica fazendo gracinha e deve ter aprontado uma pegadinha colocando isso aí no meu bolso. Eles são uns palhaços! Você acha que eu seria idiota de deixar camisinha no meu bolso se eu tivesse fazendo alguma coisa de errado? Ah, tenha a santa paciência, né?! - reclamava João enquanto tentava se explicar.
- Quem devia escrever ficção aqui devia ser você. Seu livro venderia que nem água de tanto que você sabe inventar uma boa história. Dessa vez, não vou te perdoar. Não quero mais essa situação pra mim.
Dito isso, Liliana correu para dentro do quarto, bateu e trancou a porta. Jogou-se na cama e chorou sentidamente mais uma desilusão que o marido lhe proporcionara. Estava cansada de tanto lutar e não conseguir confiar nele e manter a fidelidade em seu casamento. Não era a primeira vez e não será a última. Ela tinha que ter orgulho próprio, precisava dar um ponto final para isso.
Ele batia na porta em vão.
- Abre aí, Li. Vamos conversar. Larga de bobeira. Isso tudo é brincadeira do pessoal lá da repartição. Sacanagem. Você tem que acreditar em mim. Estou falando a verdade.
Liliana casara com João há sete anos. A vida de casados começou com muitas dificuldades. Fora uma cerimônia simples, com um almoço mais simples ainda. A mãe dela fez uma galinhada, um tutu de feijão e um vinagrete de puro tomate. Não houve cerimônia na igreja, somente no cartório. O vestido de Liliana era simples, mas branco. Havia uma renda no decote do pescoço e uma manga japonesa simples, indo justo até abaixo do joelho uns dois centímetros. Ele usava um terno claro, um tom de bege e uma camisa listrada de azul claro, com uma gravata também em azul. Ele parecia bem feliz. Ela temerosa, sempre tensa, mas sonhava com uma vida melhor e pensava que isso poderia ocorrer depois de casada.
Terminada as assinaturas, foram para casa da mãe dela e lá almoçaram com poucos amigos. D. Janice arrumara a mesa com todo cuidado na pequena área e colocara nela copos, pratos e garfos descartáveis. Em travessas transparentes, serviu a comida e colocou refrigerante também na mesma mesa. Algumas mesas de bar estavam espalhadas no quintal e as nelas estavam forros brancos. No centro delas havia vasinhos de violetas arrematando com certo charme a decoração.
Ganharam poucos presentes que estavam espalhados em cima de uma cama. As pessoas, curiosas, iam até o quarto para ver o que os noivos tinham ganhado. O presente mais caro foi um liquidificador. Os outros foram no nível de copos, alguns pratos, panos de prato, tapetes, alguns talheres, lençol e uns enfeites de casa em flores que fugiam ao gosto da noiva.
Ao final do almoço, o casal fora para casa que alugaram para morarem. Era uma casa simples e com pouco conforto. A mãe dele e dela se juntaram e uma deu o fogão e a outra a geladeira. A cama foram os noivos que compraram entre si. Não havia televisão e nem sofá. Liliana trouxera da sua mãe algumas cadeiras pra que pudessem sentar-se. Suas irmãs se juntaram e deram as panelas para o casal. Não tinham mais que isso.
O início da vida fora difícil, mas eles conseguiram vencer as dificuldades iniciais. Tudo era visto como começo de casamento, quase uma lua de mel. O casal estava sempre positivo e viviam bem. Até que, após um ano de casamento, João decidiu fazer alguns plantões para que pudessem ter mais recursos para viverem melhor. No entanto, aí foi a camuflagem necessária para a sua primeira traição. No entanto, demorara quase outro ano para que Liliana descobrisse.
Perdoara. Isso se deu não por falta de amor próprio, mas por acreditar que todos mereciam outra chance. Entretanto, dessa vieram outras cinco, somando seis, das quais ela só teve conhecimento de algumas. Em cada uma delas, uma desculpa diferente e mais outras oportunidades novas. Na segunda que ela teve conhecimento, ela estava grávida e deu a chance pelo filho que viera. Na terceira, a doença do filho. Na quarta, a morte deste. Então, das quatro infidelidades que conhecera, perdoara. As outras duas nem soubera que o marido mantinha relacionamento com menores e a elas prometera casamento. Quando de tudo arrumado para tal, o João sumia e deixava a menina em desilusão.
Em um desses relacionamentos em que ele marcara casamento, sentava-se no sofá na casa da namorada, que morava em um bairro muito distante, como se fosse o solteiro mais fiel da cidade, dava o nome de Alexandre. Nessa oportunidade, um amigo da família da moça descobrira e pressionou João exigindo que ele sumisse para que uma tragédia maior não se instalasse entre eles. Ele assim fizera e desaparecera do mapa.
Quando da última descoberta de Liliana da infidelidade do marido, esta que fora a ultima das seis que ele fizera, ela quis romper com o relacionamento, mas ele implorou e prometeu que jamais aconteceria. Liliana resolveu perdoar, pois estava muito magoada e sensibilizada com a morte do seu filho e voltara com uma condição, que o marido fizesse tratamento para que mudasse a personalidade múltipla e falsa que ele mantinha.
Na procura de um psiquiatra, foi detectada a bipolaridade em João e com ela o sintoma da Mitomania e ainda acompanhado de mania de grandeza, com supervalorização de ações e o vício em sexo. Foi indicada a ele terapia psicológica juntamente com o tratamento médico. Liliana teria que ter paciência e resignação. De novo, novamente.
Mas, agora, depois de um ano de luta e chances, ela achava que ele havia se libertado disso. No quarto, que hoje já não era tão simples, devido à evolução financeira que ela tivera em seu trabalho, ela chorava amargamente, decidida a deixar o marido de uma vez por todas.
- Abre a porta, Li.
Ele resolveu deixar que ela se acalmasse e pudessem se explicar. Ele estava temeroso. Foi até a cozinha e tomou todos os remédios da noite. Sentiu fome, mas sabia que nada passaria por sua garganta nesse momento de agonia. Poderia fazer uma comidinha para os dois como vinha pensando no caminho de volta do trabalho. Até passou no supermercado e comprou uma carne de sol para assarem e comemorarem um ano que ele não sentia necessidade de outro relacionamento. Julgava que o tratamento estava indo de vento em polpa e estava feliz por isso.
Sentou-se na sala, no belo sofá que a esposa comprara. A decoração não era mais simplória como antigamente. Tinham conseguido evoluir bastante, depois que se equilibraram financeiramente. Ligou a televisão para se distrair. Imagine! Depois de tanto aprontar, quando ela deveria acreditar nele, ela simplesmente acredita em alguém que fizera uma brincadeira de mau gosto. Esperou por algum tempo e nada da esposa sair do quarto. Percebeu o corpo amolecendo. Os remédios eram fortes e já começavam a fazer efeito. Ele adormeceu pesadamente no sofá. E nem vira que, pela sala, Liliana passava com sua mala, decidida a não mais voltar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A dor enquanto ama - Em Contos
Historia CortaSão contos variados que narram histórias com temática de situações do amor ligadas ao sofrimento