Capítulo 1

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Eu sempre fui meio louca. Mas nos últimos tempos tem piorado. Há dois meses não vejo minha família. Há dois meses não saio de "casa". E há um bom tempo venho perdendo a sanidade. E pensar que tudo começou em um sábado ensolarado.

- Lizzy! Acorda filha sei que é sábado. Mas já são nove e meia.- Abri os olhos devagar. A janela estava aberta e os raios de sol entravam no meu quarto. "Bom dia mãe." Talvez eu leria um livro ou assitiria um filme aquele dia. Um sábado preguiçoso. Normal.

Sai umas dez horas para ir ao mercado. Meus pais sempre pedem que eu vá enquanto adiantam o almoço. Como fica a duas quadras de casa, vou a pé mesmo. A lista de compras não estava tão grande e foi até que rápido. Só faltava pegar o leite condensado quando um menino da minha sala (do qual a presença eu nem tinha notado), praticamente jogou o carrinho em cima de mim. Alberto, daqueles garotos ricos que tem tudo.

- Nossa! Nem te vi!

- Desculpe se minha acusação estiver errada, mas seu sorriso sarcástico prova exatamente o contrário.

- Qual seu nome mesmo? - estava pensando em me virar e ir para o caixa sem responder, porém, minha mãe me ensinou a ser educada.

- Lissandra. Mas por que se interessaria? - então me virei.

- Ei, espera. Para sua informação, não sou chato como meus colegas. E mesmo que fosse, não desprezaria uma garota como você.

- Então prove. - Jurei ter ouvido um "vou provar", mas ignorei. Coitado. Não faria nem amizade comigo. Não faço com ninguém, por que ele seria o primeiro?

Enquanto voltava para casa pensava em como eu era fechada. Nem sabia se um dia isso mudaria. Eu tinha medo. Passava o dia com meus pais, meu cachorrinho Jingle e minha gatinha Bubbly. Mas um dia posso sentir falta de ter um amigo. Na verdade, eu tenho motivos para não criar laços fortes com ninguém.

Meu nome é Lissandra Del Rey. A vida inteira fui ciente de que algo aconteceria e mudaria minha vida. Mas não sabia que seria tão cedo, e muito menos que viria do passado para me assombrar. O que parecia distante e despreocupado se tornava a realidade, bem alí, ao meu lado. A Fábrica de Sonhos me esperava. O lugar onde tudo pode acontecer.

Há cerca de quinze anos, uma família muito rica e influente de minha cidade resolveu tentar um novo negócio: uma fábrica especializada em tornar os sonhos das pessoas real. A partir de soluções (que não são nada mais que drogas) e locais super tecnológicos com realidade aumentada, a empresa podia fazer o que quisesse a quem pagasse a fortuna pedida. Foi um sucesso. E graças a isso a família Brunet só enriquece e aproveita de seu poder.

Desde a fundação da cidade, que hoje é uma das mais desenvolvidas do país, essa grande família e seus protegidos possuem monopólio. Minha família, Del Rey, também vive aqui desde aqueles tempos. Um dia, George Brunet ascendeu no poder e passou a comandar a população, porém, por mais que eu acreditasse ser impossível, ele era apaixonado por uma moça. A moça sabia o quão maldoso e aproveitador o sujeito era, e assim Maria Helena Kuster não se importava com os sentimentos deste poderoso homem. Se apaixonou por outro. Augusto Del Rey. Até onde sei, foi aí que a rivalidade começou.

Anos mais tarde, já casada, Maria passou por uma fase muito difícil. Seus país haviam morrido em um grave acidente e seus sogros se encontravam muito doentes. Como pertencia a uma família de classe média, não tinha condições de bancar o tratamento que naquela época era muito caro. Teve de utilizar de seu último recurso. Falar com seu velho colega George. Foi um ato errado. George prometeu dar aos sogros de Maria o melhor: tratamentos extrangeiros e uma prometida cura, mas em troca ele queria se casar com ela. Alegando já ter laços conjugais com outro homem, ela afirmou que a proposta seria um absurdo e que o troca de favores deveria ser outra, portanto, a promessa seria de que a próxima descendente mulher de Maria deveria ser propriedade da família Brunet.

Por infelicidade do destino, ela só gerou filhos homens, e foi avó e bisavó apenas de meninos. George faleceu, e com o tempo, a dívida passou a ser de uma escrava para os Brunet. Essa pessoa era eu.

Toda essa história sempre me assustou. Saber que um dia eu seria levada daquele lugar comfortável e amoroso que era minha cas para um local completamente desconhecido. Eu morava do lado contrário da cidade em relação a Fábrica. Propositalmente. Evitava passar em frente, mas as vezes era inevitável. Estudava em uma escola particular muito cara. Meus pais diziam que não sabem que tipo de educação eu terei depois de ir embora. Na verdade, nem tinhamos certeza de que um dia eu iria embora. Quem sabe eles já tivessem esquecido. Quem sabe não passou de uma simples história inventada que alguém acreditou. Melhor não abusar da sorte, Lizzi.

Quando cheguei em casa já era quase meio dia. Talvez eu tivesse demorado mais no caminho por ter ficado pensado tanto. E pensar que tudo começou por eu não querer fazer amizade com um garoto que nunca seria capaz de entender o porquê. Minha mãe estava na cozinha. Sua comida era ótima. Eu estava faminta.

- Filha, você chegou! Que bom. O almoço já está quase pronto - a voz doce da minha mãe ecoava pelo apartamento enquanto Jingle pulava e me lambia. Meu pai apereceu carregando Bubbly, tinha um ar de criança realizada ao conseguir pegar o gatinho. Aquilo era felicidade. Sempre acabava esquecendo as preocupações. Eram simples momentos em que eume permitia sonhar. Ver o mundo repleto de pessoas boas e de coisas simples, mas amáveis.

O almoço estava incrível. Strogonoff e batata frita. Mamãe sempre acertava. Acabamos de comer e fomos assistir um filme juntos na sala. Era quase uma tradição de sábado. Almoço depois filme. Assistimos "Simplesmente Acontece", acho que meus pais já estavam enjoados, mas eu amava aquele filme. Toda a história sobre como o amor supera tudo. Eu achava bonito. Mágico. Mesmo acreditando que aquilo poderia nunca existir para mim, que amor poderia ser apenas uma ilusão. Algo que jamais aconteceria no futuro. Provavelmente era mais um dos momentos em que eu me permitia um sonho.

Meus pais tinham dormido quando bateram na porta. Achei estranho que o porteiro na havia avisado. Pensei que fossem os vizinhos. Porém, quando abri a porta, um homem alto e robusto que nunca havia visto na vida me olhou da cabeça aos pés e pronunciou meu nome como uma pergunta, respondi que sim, apesar de minha consciência estar dizendo "diga não". Eu deveria ter seguido o que minha consciência aconselhara.

- Pegue suas coisas. Diga adeus. Você vai embora.

- Mas assim? Do nada? Não avisaram antes.

- Olha moça, há tantas pessoas no mundo que adorariam largar suas vidas para viver seus sonhos. Você precisa ser mais otimista e aprender a obedecer as ordens calada. - Ele fechou a porta, indicando que esperaria do lado de fora. Arrumei minhas coisas em silêncio, separei algumas fotos e minhas roupas. Acordei meus pais, eles não entendiam nada, então apontei para a mala e abri a porta, exibindo o cara que estava lá fora. Ai começou a choradeira.

Bubby e Jingle pareciam mais tristes que nunca. Minha mãe não conseguia acreditar, não se conformava com aquela história ser verdade. Meu pai se segurou por muito tempo, até que não aguentou mais, caiu em lágrimas. Quando me dei por si, todos estávamos completamente infelizes, sentados no chão da sala, em um abraço estranho.

Levantei disposta a amenizar a tristeza, mas sabia que viveria com saudades por mais tempo do que viveria feliz. Disse adeus. Desci os andares do prédio soluçando. Entrei num carro de um homem que eu nem sabia o nome e cometi um erro. Olhei para trás e vi meus pais acenando. Provavelmente a última vez. Enxuguei as lágrimas que queriam sair. E me despedi da minha família, do meu passado e daquilo que chamava de lar.


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⏰ Última atualização: Oct 20, 2016 ⏰

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