Tento controlar minha respiração acelerada, sem sucesso. Com certo receio, inclino meu corpo apoiado na caixa de papelão e deixo a cabeça aparecer do outro lado, de forma que eu poderia olhar o lugar— e ver se a besta ainda me perseguia. Sinto um cheiro forte de queimado e um vento agitar meus cabelos, então viro pra frente e vejo-a. Seus olhos negros com pupilas vermelhas me encaram fixamente e um sorriso diabólico de dentes podres e absurdamente afiados está escancarado. Sua mão (seria aquilo realmente uma mão?) se aproxima de minha perna. Grito, estendendo uma de minhas mãos quase como forma de defesa e a criatura se retesa, soltando um urro completamente ensurdecedor e fugindo pras sombras. Olho para minha mão que pendia no ar e vejo algumas faíscas roxas saindo dela. Paro o que estava fazendo, um instinto que não poderia explicar nem se quisesse me dizendo que a criatura não voltaria por um bom tempo, e abraço meus joelhos. Fico repetindo mentalmente tudo o que me lembro.
"Meu nome é Jodie Marshall. Eu tenho 17 anos e perdi toda minha memória. Tudo o que me lembro é de acordar em um hospital abandonado, apenas com a roupa do corpo e criaturas me perseguindo. Eu tenho algo que parece um poder, mas não sei controlar e nem ao menos explicar isso. Minha meta é sair do hospital e procurar ajuda no único lugar que me recordo: Uma casa velha, em destroços, em que um garoto chamado Dylan me oferece ajuda em meus sonhos."
Me levanto, usando a caixa mais uma vez de apoio e olho pra minhas roupas: short jeans curto, uma grossa meia-calça preta, coturno preto, uma blusa de manga curta com uma estampa que me lembrava o uniforme do exército e uma jaqueta jeans clara amarrada na cintura. Fungo, tirando a poeira do corpo e fico de pé, procurando algum lugar onde poderia deitar e ter uma boa noite de sono— o necessário para poder tentar conseguir algum tipo de instrução com Dylan.
Nas poucas vezes que conversamos, ele parecia quase tão confuso quanto eu, mas não podia perder a esperança: mesmo confuso, ele tinha alguma informação perturbadora que eu não possuía. Seria esse o diferencial entre nós dois?
Pego a garrafa de água do outro lado do cômodo e a seguro firmemente, andando para a saída. Um ótimo detalhe é: eu não fazia ideia de onde seria a saída do hospital, então eu só continuava andando em frente, com a esperança de que seria o suficiente pra me tirar desse lugar. Suspiro ao passar pelo portal, já que a porta fora arrancada pela besta, e vejo a luz piscando no corredor, algum líquido preto e viscoso escorrendo pelas paredes. Me aproximo e passo o dedo pela substância, que tinha a mesma consistência de tinta. Franzo o cenho e coloco ambas as mãos escoradas na parede e empurro um pouco, o suficiente para sentir aquilo pulsar. Eu realmente não sabia se vinha da gosma preta ou da parede, mas eu diria que dos dois. Tudo naquele lugar possuía um ar assustador, oferecia a sensação de que estavam me observando. Eu não conseguia pensar em nenhuma comparação melhor do que estar em algum tipo de Reality Show doentio. Respiro fundo, sentindo um cheiro de metal. Não pode ser sangue.
—Não. Eu estou ficando maluca. —Penso em voz alta. Resolvo continuar andando em frente.
Após uns longos dez minutos, acho um canto bem escuro que não tinha cheiro podre ou gosma preta e jogo minha pequena mochila preta ali, fazendo o mesmo com meu corpo em seguida. Uso a mochila de travesseiro e coloco a garrafa de água ao alcance da minha mão, fechando os olhos e quase rezando pra dormir logo. Me viro pra um lado e sinto uma presença na minha frente, então abro os olhos já me preparando pra outro confronto.
—E aí, boneca? —Dylan sorri, deitado na minha frente com seus grandes olhos mel me fitando. Sorrio também, mesmo que tenha vontade de socá-lo a cada vez que ele me chama de "boneca".
—Eu dormi tão rápido assim? —Ele assentiu com a cabeça, virando sua cabeça para encarar o teto.
—Você está perto, mas na pior parte. Ande dois quilômetros em frente e depois vire em todas as esquerdas que aparecerem. Pode parecer estranho, mas a saída é no coração do hospital.
Fico em silêncio, processando. Dylan falou "coração" como se realmente fosse um coração, e não apenas uma forma figurativa. Será que aquele pulsar viria disso, aquela gosma preta seria realmente algum tipo de sangue?
—Sim. —Ele disse, dessa vez com os olhos fechados. Sua testa formava algumas rugas de preocupação. —Você é esperta, Marshall. Bem, quando você chegar lá encontrará mais deles. Assumo que agora já está entendendo algo do que está acontecendo? —Nego com a cabeça, abrindo a boca pra falar e ele faz um gesto para eu me manter calada. —Talvez não tão esperta. Acorde e faça o que eu disse, pegue-os antes que te peguem.
E assim, simplesmente assim, minha única esperança pra fora desse inferno sumiu e eu acordei com baba de besta na minha cara.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Orcus 166
FantasyJovem garota sem memória se vê presa em um hospital psiquiátrico abandonado. Como se isso já não fosse um pesadelo, ela é perseguida por criaturas bestiais que nada mais querem que sua morte. Sua única esperança era alguém que supostamente nunca hav...