A Rendição do Monstro 《Disponível Amazon 》

Pacto de sangue

Livro completo dia 4 de junho na Amazon 

Yara

Olho lá fora, e a tempestade que se aproxima é grande demais. Sinto um arrepio passar pelo meu corpo, o vento sussurrar aos meus ouvidos que um perigo se aproxima.

Entro na minha pequena e humilde casa. Pode ser apenas um casebre, mas eu a amo. Desde que vim para Santa Luzia para viver com meus avós paternos, amei o lugar. Minha mãe, em uma última tentativa de ganhar a vida, vendeu tudo que tínhamos no Brasil e me trouxe para cá, deixando-me na casa dos meus avós para que eles me cuidassem.

Meu pai era um operário que, ao viajar pela empresa a trabalho ao Brasil, se apaixonou por uma mulata linda. Mas minha mãe era ambiciosa de mais para sossegar sua vida ao seu lado.Quando meu pai se foi,logo depois que nasci,ela veio à Espanha me deixou com meus avós. Não possuo mais ninguém no Brasil além dela. Nunca cheguei a conhecê-la de verdade, e meu pai morreu em um desmoronamento no México. Então, só tinha meus avós.

Confesso que pouco senti a falta de minha mãe.Não tem como sentir falta de alguém que nunca esteve presente. Cresci ao lado de minha avó, que se tornou minha verdadeira mãe. Aprendi com ela tudo que a natureza pudesse ensinar. Sei para que serve cada erva, cada oração.Minha avó era uma benzedeira muito famosa na região, pessoas vinham de longe para que ela pudesse curá-las de alguma enfermidade ou problema espiritual. Ela dizia que tudo estava ligado à alma, tudo se ligava ao fio da vida, e bastava a gente ter calma e paciência que a própria natureza nos mostrava o caminho.

Ajudei minha vó a fazer partos, arrancar dentes e a vi à noite na floresta, rezando para a mãe natureza trazer um amor de volta.Mas ela sempre dizia "Yara, minha filha, não há magia mais poderosa que o amor verdadeiro". E foi nisso que tive fé, no amor pelas terras que,ainda que poucas, são minhas, a razão de nunca virar as costas a ninguém necessitado e nunca fazer o mal. A magia do mal é algo impregnado, jamais sai do benzedor. É forte, mas pode passar o tempo que for, algo tem que ser pago em troca.Por isso, todas as vezes que vinha alguém desejando o mal a outro, minha vó mandava embora, dizendo que iria rezar por eles.

Assim foi até os meus vinte e quatro anos, quando, ao voltar da cidade à noite, o carro de meus avós capotaram. Senti-me sem ninguém, mas logo tive que ser forte. Um dos coronéis da região queria porque queria comprar minhas terras. Se as vendesse, eu estaria sem nenhum lugar para ficar, nenhum mesmo.Então, todas as vezes que ele mandava um dos seus capatazes, eu já os botava para correr com a espingarda velha do meu avô.Mas algo nas nuvens escuras, nas árvores e suas folhas que se batiam ao vento, cochichando uma com as outras, me mostrava que algo diferente vinha pela noite escura.

E assim acontece. No meio da noite, sou acordada pelos uivos de Scarlatti, minha raposa, que em uma noite salvei das armadilhas de caçadores no meio da floresta.Assim como todo animal que ajudei, ela foi ficando. Já tenho um burro, um coelho, três gatos e Scarlatti, minha fiel raposa que nunca mais me abandonou. Agora, agitada, arranha a porta do meu quarto. Levanto-me da cama, caminho lentamente até a janela e a abro devagar. Lá fora, um grande relâmpago atravessa o céu.

Scarlatti pula a janela antes que possa pegá-la.

— Oh, sua safada, volte aqui! — grito com o corpo inclinado para o lado de fora.

Mas Scarlatti já está longe a essas horas. Pego um lampião e a velha espingarda do vovô; jogo-a pela alça nas minhas costas e, com minha única bota velha, que é dois números maior que os meus nos pés, saio para a noite escura atrás da minha raposa.Embrenhando-me no meio da floresta, ao longe escuto seu uivo choramingado. Sigo o barulho. As árvores batem seus galhos uns nos outros por causa do vento forte que anuncia que a tempestade chegou.Acelero meus passos e, ao chegar perto do riacho, vejo Scarlatti parada na margem. Ela se vira com suas orelhas pontudas em minha direção, seus olhos brilhantes parados para mim.