Antíteses

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Quando acordei, minha mãe estava dobrando minhas roupas... ela simplesmente não consegue parar quieta.

- A janta já está pronta? Quer que eu ponha para você?

- Pode ser...

Ela me dá um beijo na testa e vai para o outro cômodo. Só quando o silêncio invade meu quarto é que eu consigo ouvir. O som é doce e agradável, mas quem o está executando consegue imprimir traços de sua agressividade e paixão. Deve ser nesse prédio, ou até mesmo neste andar porque o som não parece estar muito distante. Aos poucos vou reconhecendo qual música é e recito mentalmente o verso.

"...Será que alguma coisa, nisso tudo, faz sentido? ...A vida é sempre um risco, eu tenho medo do perigo!..."⑹

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Todas as luzes estavam apagadas, somente os débeis raios lunares atravessavam a janela e entravam juntamente com o vento que nesta noite parecia estar igual ao meu humor: tempestuoso. Ele agitava as cortinas de forma violenta como se dançasse ao som de minha música. Há muito tempo eu não fazia isso. 

Desde aquela hora que eu estava possuída pelo mal humor, qualquer simples movimento inesperado trazia à tona minha irritação. Era como se eu fosse um vulcão que há tempos estava adormecido e de repente voltou à vida. Como a tubulação que permite que o gás chegue a cada um dos nossos apartamentos, do térreo ao sexto andar e que só precisa de uma pequena faísca para mandar tudo pelos ares. Era bem explícito, só que eu não queria dar o braço a torcer, estava com raiva por ela ser mais bonita e conseguir a atenção dele. Mas por que diabos eu queria que ele olhasse para mim? Por que esse interesse depois de todo esse tempo convivendo como completos desconhecidos? Os pensamentos voavam na minha mente na mesma velocidade em que meus dedos deslizavam no braço do violino, executando precisamente cada nota. 

Lá fora a cidade barulhenta ignorava meu concerto, mas isso para mim pouco importava, nunca gostei de holofotes... Eu só queria que esse monte de sentimentos contraditórios parassem de incentivar meu coração a entrar em guerra com minha mente...

"...Eu vou contando as horas e fico ouvindo passos...Quem sabe o fim da história de mil e uma noites de suspense no meu quarto ..."⑹

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- Pa-ra-béns pra vo-cêee...

Me pegaram de surpresa, quando terminou o ensaio as garotas vieram  carregando um bolo e cantando, logo todos se uniram ao côro de felicitações para mim. Cheguei mesmo a imaginar que eles não lembrariam, mas não é sempre assim? A surpresa não tem graça se você já sabe o que vai rolar. O Alan se desculpou pela simplicidade da festinha, mas não podia ter sido melhor. O bolo era de chocolate com desenhos de claves de sol e semínimas feitas de glacê. Me senti muito feliz, um por um veio me abraçar, só não podiam me zoar com bolo ou chocolate porque se eu chegasse sujo lá no ponto de espera... eu estaria bem encrencado.

Claro, meus pais estavam a par das minhas atividades extracurriculares e já aceitavam o fato de eu ser integrante de uma banda de Metalcore, obviamente este foi um processo difícil envolvendo uma longa conversa, discussões e muitos acordos. Chegada a minha hora fui lá para a escola, ele já estava me esperando, achei estranho, porque depois deles terem descoberto meu segredo ele nunca havia se adiantado. Entrei no carro, ele desligou o motor e começou a falar.

- William, nós dois sabemos que hoje é um dia muito importante para você... bom, eu e sua mãe decidimos te presentear com algo que fosse útil e ao mesmo tempo que fizesse você ter responsabilidade...

Eu nem sabia do que ele tava falando, porque eu já era muito responsável sim senhor. Ele suspendeu a chave prateada.

- Agora não precisa mais sair escondido...

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Quando estacionei na porta de casa ela estava sentada nos degraus me esperando. Seu rosto estava rosado e seus olhos não pareciam tão angustiados como da última vez em que os vi. 

- Que surpresa boa... e aí como você tá?

- Bem melhor...

- Faz tempo que tá me esperando?

- Não, cheguei a pouco tempo, sua mãe falou que tava na sua hora de chegar.

- Tendi. E aí, quer dar uma volta?

- Vamos lá...rs

Eu não sei o que rolou entra ela e a mãe quando saíram do hospital, também não vou perguntar. Se ela quiser falar... bem, se não... 

Caminhamos até os bancos do jardim, na antiga árvore o balanço no qual costumávamos brincar. Ela me falou que voltava à escola na próxima semana para fazer as provas, mas não botava tanta fé que ia passar. Falei para ela relaxar porque de longe é mais esperta que eu. O que não era mentira. O clima tava bem estranho, parecia que tanto ela quanto eu queríamos falar algo, só que não saía. Logo eu que tô pouco me lixando para o que os outros pensem, falo mesmo, perco o amigo, mas não a piada. Mas com ela ... fode muito, se os caras me vissem iam me zoar para ca-ra-leo... fico muito bobão. Sei lá, geralmente passo o rodo geral. Pego quem eu quiser. Mas isto aqui é diferente... É no mínimo assustador estar de pé diante de uma pessoa que faz toda minha confiança evaporar.

Convergindo (Em Construção)Onde histórias criam vida. Descubra agora