5. Alice

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Alice nunca temeu um resultado. Estava ciente das consequências de cada escolha que fizera na vida. Mas ali, sentada em seu banheiro, diante do exame mais importante de todos, um resultado a assustava como nunca antes algo fora capaz de fazê-lo. Naqueles minutos de solidão, um filme bem particular, que tinha ela mesma como protagonista, passava na sua frente.

Ela não tivera os pais mais fáceis do mundo. Foi o medo que os ensinou a amar. E o medo não é um bom professor para uma lição dessas. Alice era filha única. Quando criança, tivera uma doença grave. Os médicos disseram que não resistiria, mas o organismo respondeu e ninguém ainda sabe como. Crescer fora um milagre inexplicável. Sua presença era a memória viva de um presente de Deus. E isso deu origem a um amor tão grande que sufocava. Que preenchia todos os espaços. Que não conhecia nenhum limite. Nem mesmo os dela.

Diferente dos pais, que viviam a se prevenir da morte numa mistura de fé, medo e cuidados, Alice tinha uma vontade extrema de conhecer a vida. Ela zombava da cara do medo e seu único cuidado era aproveitar o tempo. Sentia como se houvesse recebido uma segunda chance. Perder-se do objetivo de viver somente do que lhe agradasse era um desperdício do qual não conseguiria se perdoar jamais. Este era o seu testemunho de fé: viver com saúde.

Por isso, apesar da insistência dos pais, queria se formar, queria ser professora, queria ler todos os livros do passado, queria se apaixonar, queria ir ao cinema, queria namorar até tarde e depois dançar na chuva. Queria o tudo com extrema paixão. Aliás, Alice só sabia fazer alguma coisa com paixão. Passeava por todos os cantos com uma felicidade incomparável, ela era apaixonada pela existência nesse mundo. Estava viva. A maioria das pessoas não conseguia compreender o quanto isso era maravilhoso. Ela conseguia.

Sem se dar conta de como, apaixonou-se por Artur, companheiro de infância. E aquilo foi tão bom quanto à notícia da cura. De repente, cada sorriso era mágico. Cada toque tinha centenas de significados. E o beijo, quando aconteceu, a levou para um outro mundo totalmente desconhecido. Artur era lindo. Dentes de uma brancura angelical que se encaixavam no sorriso perfeito. E ela perdeu a conta de quantas vezes viu estrelas refletidas nos olhos do amigo.

Mas aquilo ali não era amor.

Não o tipo de amor que une duas pessoas num emaranhado de significados inexplicáveis.

Até aquele momento, era jovem demais para compreender o sentido do amor.

Até ali, foram apenas meninos e beijos e sexo.

A vida era uma grande amiga de Alice. As duas se conheciam muito bem, lutavam com todas as forças para permanecerem juntas. A vida a estava ensinando mais uma vez o verdadeiro valor das coisas. O resultado deu positivo. Alice estava grávida. Ela acabara de completar dezenove anos.

Ela sentou no chão frio no banheiro com aquele resultado na mão. Podia fingir que não acreditava nele, mas seria perda de tempo. Ela não suportava perder tempo. Além disso, seu corpo já dizia tudo que precisava saber: estava grávida.

Olhou para baixo e imaginou a barriga crescendo, seu bebê mexendo dentro dela, a dor nas costas, a dificuldade para encontrar posição para dormir, os seios tão inchados de leite que nem caberiam mais nos seus sutiãs. Sentiu a dor do parto e a alegria de conhecer o menino que se chamaria Pedro. Pedra definitiva. Uma certeza. A única decisão a ser tomada. Uma decisão da vida.

As lágrimas rolavam pelo seu rosto, eram lágrimas de felicidade. Ela, que não podia estar viva, seria mãe. Zombou da cara do medo mais uma vez, não porque tivesse muita coragem, mas porque não sabia sentir mais nada além de amor. Não pensou na sua velha e conhecida doença, não pensou na cabeça retrógrada dos pais, não pensou nas circunstâncias na qual aquela criança fora gerada, não pensou no dia após dia daquela sua barriga crescendo. Ela pensou em Pedro.

E Pedro foi o seu primeiro grande amor. E um amor desses não precisa de palavras. O menino (ela sabia que seria um menino com a mesma certeza com a qual sabia que recebera do divino uma breve segunda chance) era um presente da vida, sua melhor amiga.

Depois, claro, pensou em Mário e seus olhos confusos. Pensou naquela noite, um mês e meio antes do resultado. Os dois se entregaram de uma forma que ela não imaginava que ele fosse capaz. Mário, assim como a vida, tinha seus mistérios, Alice se lembrava de ter pensado nisso enquanto cochilava deitada no abraço dele.

O rapaz tímido que a encantara com suas palavras tão precisas, sua lógica determinista e suas ambições sem nenhum sentido fora um amante surpreendente. Ele não tirou os seus olhos dos olhos dela durante toda a noite. E não fora estrelas que ela vira naqueles olhos, fora admiração verdadeira. Mário era de verdade.

Alice o levara a festa como amigo. Ela o apresentara a todos. Mário não falou com ninguém, nem com Adriano que falava com todo mundo. Estava acuado no canto, inofensivo, talvez mendigando a atenção dela, seguindo-a com o olhar. Por isso, não poderia prever que a festa na casa de praia dos seus pais terminaria com um murro na cara de Artur. Foi um alvoroço. Os amigos chocados com o comportamento do estranho.

Poderiam ter desconfiado do fato de Adriano não ter defendido o irmão. Mário poderia ter se defendido das acusações. Mas as pessoas não fizeram isso, elas apenas socorreram o simpático e rico Artur Leal, enquanto lançavam olhares acusadores para Mário.

Alice foi encontrá-lo sentado na beira do mar tantas horas depois. A casa estava vazia. As pessoas tinham ido embora. A essas alturas, ela já sabia os motivos de Mário. Ela conhecia bem as grosserias de Artur, principalmente quando bebia demais, principalmente quando se sentia ameaçado. Mário era uma ameaça para Artur. Uma ameaça a perder a posse de Alice. Pelo menos, foi assim que o amigo enxergara. Ela era louca por Artur e ele sempre soubera disso. Artur brincava com seus sentimentos. Tinha medo de se envolver com a amiga com quem brincou e por quem chorou tantas vezes.

Nunca antes aquilo a incomodou. Estava mais do que acostumada com um amor que não sabe amar sem medo. Naquele dia, entretanto, parecia que Artur não lhe servia mais, que a estava apertando, que prendia até sua circulação sanguínea. Mário e a imensidão do mar a atraíam. Sentou-se ao lado dele. No mínimo, devia algo àquele rapaz. Ainda que fosse apenas uma satisfação.

Não disseram nada. Em algum momento, Mário, o tímido, o acuado, apenas a puxou pelo pescoço e a beijou. Não foi tão bom quanto o beijo de Artur. Nem foi tão fácil compreender aquele coração quanto o do amigo de infância, mas foi real. O sentimento de Mário era tão material quanto ele mesmo. Mário não tinha dúvidas ou restrições. Ele estava se entregando a ela sem medo. Aquilo a encantou.

O beijo terminou na cama.

A cama começou uma nova história: a história de Pedro.

***

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