Sete anos antes
— Mamãe, por que eu não posso ir lá fora?
— Porque está muito frio. - Mamãe explicou.
— Mas tem outras crianças brincando lá, fazendo bonecos com a neve. - Argumentei, mesmo sem saber o que era argumentar.
— Você não é como elas, filha. Tem que ficar aqui, comigo e com seu pai.
— Por favor, mamãe! - Insisti.
— Chega, Lucy. Já está avisada. - Mamãe continuou seu tricô e eu voltei a olhar pela janela, pelas gretas da persiana, desejando poder sair e brincar com aquelas crianças. Senti a mão do meu pai em meu ombro. Seu olhar dizia que estava na hora de ir me deitar. Eu o segui obediente.
— Dê um beijo em sua mãe, Lucy. - Ele avisou cauteloso.
— Boa noite, mamãe. - A beijei no rosto — Feliz natal.
— Boa noite, filha. Feliz natal. Descanse bem, amanhã você abrirá os presentes. - Disse para me animar e eu forcei um sorriso.
Peguei a mão de papai e ele me guiou para o quarto. Ao me deitar e me cobrir, disse:
— Você entende que tudo que fazemos é para te proteger? - Balancei a cabeça concordando. — Okay. Boa noite, feliz natal, anjinho. - Me beijou na testa.
Fechei os olhos e lembrei do que a mamãe disse, amanhã irei abrir os presentes de natal, mas o único presente que eu realmente gostaria, é poder sair por aquela porta e brincar lá fora.
Atualmente
— Eu vi na Tv, mãe! Por favor, você sabe que eu adoro aqueles livros! - Falei pela terceira vez.
— Lucy, não. Você não pode sair sozinha pela cidade para ir em um evento cheio de pessoas ruins.
— Mãe, é apenas uma convenção de livros. Por favor?
— Lucy - ela me deu um olhar de reprovação — você já sabe o que eu penso disso. Não insista mais! - Ela deu de costas.
— Eu já tenho 17 anos, porque não posso sair como todo mundo? - Disse feroz.
— Porque você não é como todo mundo. E eu sou sua mãe e sei o que é melhor para você. - Ela gritou em resposta.
Não adiantava insistir, essa conversa estava encerrada.
***
Estava quase no horário de Michael chegar para aula. Iriamos estudar a anatomia humana e depois fazer um teste. O que para mim parecia ridículo, pois mesmo que fosse mal, ele me daria uma boa nota.
Estudo em casa, meus pais nunca me deixaram frequentar um ambiente escolar, então desde os 8 anos, Michael, me dá aulas particulares em casa.
— Pronta para o teste? - Michael pergunta animado.
— E eu tenho escolha? - Falo desanimada.
Ele coloca a folha diante de mim e inicia o contador. Tenho uma hora para fazer a prova, mas em vinte cinco minutos finalizo as perguntas. Michael pega a prova e a corrige.
— Olha só. Desse jeito vai entrar para as melhores universidades da região.
"Se minha mãe deixar eu ir para faculdade, né!"
— O que temos aqui? - Minha mãe pergunta pegando a prova das minhas mãos. — Um A+! - Ela sorriu.
— Sra. Jones, meu superior já me mandou fichas de inscrições para Lucy entrar na faculdade. Vou deixar com você toda papelada. – Michael avisa animado.
— Ah, obrigada Michael. Estava pensando nisso. - Michael não sabia, mas o sorriso que mamãe dava a ele era forçado, com tom de que a hora dele sair das nossas vidas havia chegado.
Odiei a ideia de ele ir embora. Michael era a única pessoa que eu tinha como amigo. O único que me contava sobre como era a vida além de grades e portões. E o único que me encorajava a sair de toda essa prisão.
— A gente se vê depois, Lucy. - Ele se foi.
Minha mãe lia com atenção os papeis. Sabia que ela queria que eu me formasse, mas sabia que ela não queria que eu fosse para longe. E agora?
Ao me ver, ela enfiou os papeis na gaveta.
— Parabéns pela nota! Estou orgulhosa.
— Obrigada, mamãe. - Me sentei no balcão e ela me dei um pote de bolachas com uma xícara de chá.
— Quero comprar roupas novas, quer ir comigo?
Era muito raro minha mãe deixar eu acompanhá-la em passeios. Isso só acontecia quando papai também ia, mas as vezes ocorria exceções.
— Claro. Vou me trocar.
Corri ao quarto e vesti como minha mãe me ensinara. Roupas largas e comportadas. Quanto menos chamar atenção, menos as pessoas te julgarão, dizia ela.
Mamãe dirigia com precisão e atenta. Odiava sair, por isso, também não me permitia a isso, uma coisa que nunca entendi o motivo e ela também nunca mencionou.
Coloquei os fones de ouvido para me distrair, estava fissurada por algumas bandas da atualidade.
Meu pai também era apaixonado por música, por isso, as sextas ele trazia um CD novo para mim ou DVDs de shows que estavam acontecendo por todos os lugares. Lembro de pergunta-lo se algum dia poderia ir a algum show e ele disse:
— Claro, Lucy. Um dia, quem sabe?
Eu sabia que não iria.
Quando chegamos a loja de roupas, mamãe deu as instruções de sempre: a) não olhe para estranhos e nem fale com eles; b) seja gentil, se necessário; e a mais importante de todas, c) fique sempre perto de mim.
Pela primeira vez ela deixou com que eu escolhesse um vestido que eu gostasse, não o que ela achava melhor para mim. Era de algodão, com mangas caídas nos ombros e estampa de flores. Usaria em algo especial.
***
O cheiro de canela invadiu meu nariz assim que minha mãe abriu a porta. Papai havia chegado.
— Olá, onde estavam? -Papai deu um beijo em minha mãe e passou a mão em meus cabelos.
— Fizemos compras. - Disse.
— Que legal. - Ele disse. — Querem biscoitos?
— Claro. - Minha mãe pegou alguns e depois foi se trocar.
Papai me olhou com o olhar de tenho uma coisa boa para você e automaticamente eu sorri.
***
"Let's go crazy crazy crazy till we see the sun
I know we only met but let's pretend it's love"A faixa trocou e foi para uma música mais lenta.
"Now we know it's nearly over
Feels like snow in September
But I always will remember
You were my summer love
You always will be my summer love"
A música tocava alta nos meus fones. Papai trouxera um CD de uma nova banda. Estavam decolando nas paradas. As músicas eram animas e com letras vivas. Fiquei pensando se um dia eu poderia ficar louca até ver o sol ou seria o amor de verão de alguém.
Vivendo dessa maneira, acredito que não.
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Entre Paredes
RomanceDurante muito tempo, Elena foi mantida em um colégio interno e lá ela se vê aprisionada e infeliz. Quando tem a oportunidade de sair, se depara com um mundo desconhecido e cheio de armadilhas. Ela sofre abusos e mal tratos. Alimentando a ideia de qu...