Na tarde em que tudo acabou, Beto lhe dissera que confiasse mais nos parceiros de seus futuros relacionamentos. Depois bateu a porta, e ela nunca mais o veria. Dez minutos antes, ela ainda tentara argumentar:
— Eu confio em você, Beto. Aliás, além da Ana, você é a única pessoa em quem eu confio.
— Mentira, minha linda — Ele respondeu pacientemente — Ontem mesmo eu te vi xeretando o meu iPhone. Além do mais, confiar em filha não é nenhuma vantagem.
— Eu não estava xeretando seu celular... só queria pegar o telefone da Inês!
— Você sabe que não foi isso. Que me perguntasse se eu tinha o contato dela, ora.
Ela calou-se. Ele continuou:
— Sabe o que você queria? Ver se havia uma mensagem comprometedora no meu Whatsapp ou algo do gênero. Lia, eu até retirei a senha do aparelho para te provar que eu não tenho nada a esconder.
— Verdade — Ela assumiu, olhos baixos, culpada por ciúmes que não conseguia conter — Estava mesmo sem senha.
— Então?
— Mas eu precisava ver com a Inês se a gente podia se ver na quarta. Tanto tempo que não falo com ela...
— Você tem o Face da Inês. O Whatsapp também. O Instagram. Tudo.
— Mas não é a mesma coisa, Beto. Eu queria saber na hora, não esperar que ela me respondesse. A Inês é tão desligada desse negócio de tecnologia!...
— Nada! Inês compra tudo quanto que é gadget que sai no mercado — Ela se calou novamente, vencida — Outra coisa... Eu fico muito incomodado de estar com uma mulher que tem arma no criado mudo.
— Ora, que bobagem, Beto. Guardo ali para ficar à mão em qualquer eventualidade. Minhas aulas de tiro vão servir para quê, então, se eu não posso me defender? Tenho que ter minha arma. Além do mais, estou na lei: tenho porte desde que papai era vivo.
— Sei lá, me incomoda essa coisa de arma em casa. Não combina.
— Muitas coisas aparentemente não combinam, meu querido. Uma mulher como eu que atira bem, por exemplo.
— Olha só, Lia, eu cansei. Cansei.
— Como assim? — fazendo-se de desentendida.
— Não dá mais — ele responde, e depois abaixa-se para pegar a mala de mão com algumas mudas de roupa que guardara atrás do sofá — Depois passo aqui pra pegar o resto.
— Faz isso não, amor.
— Eu sei que é chato voltar ao assunto, mas você não podia ter me bisbilhotado. Precisa confiar mais nas pessoas que te rodeiam, Lia.
— Mas eu confio!
Ele parecia inflexível.
— Beleza. Da próxima vez, confia também no cara com quem você estiver. De boa. É legal de vez em quando confiar nas pessoas, sabia? Dá um beijo na Ana por mim.
Saiu e bateu a porta.
Saiu e bateu a porta.
Saiu e bateu a porta.
Aquela cena ficou se repetindo na cabeça dela mesmo depois que a filha chegou da faculdade, até madrugada alta, quando, vencida pelo cansaço, Lia mergulhou em um sono sobressaltado por um pesadelo.
Ela caminhava por um longo corredor com portas em ambos os lados. Sempre que estava em frente a uma delas e a abria, flagrava um dos seus ex-namorados na cama com uma de suas amigas de adolescência. Depois continuava pelo mesmo corredor, abrindo aquela sequência infernal de portas, e atrás de cada uma delas, via outro ex-namorado em cima de outra amiga. Caminhava pelo corredor e chorava. Então viu no fundo do corredor uma porta larga. A última porta, virada para ela. Quando a abriu, viu todos os ex-namorados e todas as amigas de adolescência reunidos. Eles usavam ternos caros e elas, lindos vestidos longos de noite. Todos sentados numa espécie de arquibancada em semicírculo, no meio do qual estava ela, Lia, de pé, nua dos pés à cabeça. O silêncio reinava na sala.