- Você vai ficar bem, querida. - diz Antonella, acariciando meu cabelo de maneira demorada.
Apenas me calo. Não vale a pena responder aquela mulher, pois será mais um motivo para ela começar uma de suas "discussões justas".
- Não espere acordada, Alessa. - Giovani fala.
Encaro enquanto meu carente pai agarra sua nova mulher, puxa uma garrafa de vinho tinto das mãos de um criado e sussurra ao ouvido de Antonella, fazendo-a rir. Os dois saem, me deixando sozinha novamente. Encaro o espaço vazio na frente da porta, esperando o mordomo ali presente se retirar.
- Venha, senhorita. - Jia, a empregada que cuida de mim, fala.
Ela toca meu ombro gentilmente, esperando-me levantar. Subimos os degraus da escadaria em silêncio, como em todas as noites rotineiras. Jia me leva até o quarto e me despacha para o banheiro, abrindo o guarda-roupa para procurar meu pijama. Entro na porta ao lado do closet, pisando nos azulejos frios do banheiro. Lavo o rosto, escovo os dentes e penteio o cabelo, soltando-o da trança. Com gosto de creme dental na boca, volto para meu quarto.
- Vou sair agora, senhorita. Boa noite. - fala Jia, já próxima da porta.
Assim que ela deixa o cômodo, suspiro. Como gostaria de lhe dizer que odeio ser chamada de senhorita. É uma palavra tão vazia e fria, que me faz sentir mais sozinha ainda. Tiro o vestido de festa, que usei para o jantar de negócios de papai, e ponho a camisola bege que está em cima da cama. Puxo as cobertas de lado, apago a luz e me deito. Só então posso fechar os olhos, torcendo para que a manhã de segunda-feira seja melhor do que o habitual.
É, minha vida era vazia desse jeito.
×××
Abro os olhos quando uma luz estranha aparece. Minha cabeça cai para frente, me fazendo acordar completamente. Olho em volta, assustada, percebendo que estou em um carro.
- Dormindo de novo? - pergunta Olívio, o motorista - seu pai lhe disse para deitar-se cedo.
Assinto, recuperando a postura.
- Eu não consegui dormir direito. - falo, esfregando os olhos.
- Bem, não sou eu quem sairá perdendo. - ele tira o chapéu do uniforme - chegamos.
Encaro através da janela, recebendo a visão da Academia São Lourenço. Seguro minha vontade de fechar os olhos novamente.
- Até logo, Olívio. - abro a porta do carro.
- Até logo, senhorita.
Piso no estacionamento do colégio. O chão é de cimento puro, um lugar horrível para se cair. O edifício da escola, com sua tinta descascada apesar da mensalidade cara, parece sorrir diabólicamente para mim, mas não é pior do que os olhares de escárnio dos estudantes.
Vários grupos se juntam pelos cantos, e todos parecem agitados. Os murmúrios são como gotas d'água batendo na pedra. Passo perto de um montinho de garotas propositalmente, para saber do que estão falando.
- Você viu? Disseram que todos eles vêm se matricular aqui! - uma morena sussurra, aumentando ainda mais os gritinhos de empolgação das outras.
- Sim! Eles são tão lindos, e elas são tão chiques... vai aumentar a moral do colégio em 100% ! - ouço alguém falar.
Continuo caminhando, agora curiosa. Do que elas estão falando? Alcanço as portas dúplas da Academia e entro.
- Cara, você já deu uma olhada naquelas gatas? São muito melhores do que as que tem aqui! - um garoto grita com o outro.
A interrogação em minha mente só aumenta, porém continuo em frente. Viro em um corredor a esquerda. E bate o sinal. Consigo ouvir os passos apressados dos alunos, então corro até o meu armário; pego os livros necessários e meu estojo de lápis de cor, pois a próxima aula é de artes.
- Alessa! Alessa! - uma voz sussurra atrás de mim.
Viro a tempo de ver minha colega de armário. É uma garota loira, magra e com um sorriso enorme, com certeza falso.
- O que foi? - pergunto.
- Eles estão vindo, não soube? E o mais bonito vai participar da aula de artes conosco! - ela saltita.
- De quem você está falando?
Não tenho resposta, porque seu olhar se perde através de mim. Franzo a testa e viro de costas, procurando pelo foco de sua atenção. E esta é a primeira vez em que os vejo.
Todos os outros alunos se juntam ao redor, com sorrisos exagerados e maníacos, para ver o grupo passar pelo corredor.
- Ah... Deus... - a loira sussurra atrás de mim.
Eles devem ser em 15 pessoas, umas 8 meninas e 7 meninos. Parecem bonecos: lindos, calmos, rígidos e... brancos. É, são muito brancos. Suas peles parecem porcelana pura, os cabelos são uma mistura de cores. Mas, os mais destacados são os três que andam na frente. A primeira é uma menina com o cabelo castanho-escuro, pele doentia de tão branca e olhos azuis. Sua postura é perfeita, e ela anda sem olhar para os lados. O segundo é um garoto alto e magro. Seu cabelo é branco como algodão, seus traços são finos e retos, e seus olhos são místicos: uma mistura sem igual de verde no centro que se expande para preto profundo. A terceira é outra menina, com cabelos de um loiro claro e amarelado que parecem mechas de ouro, na altura da cintura, e olhos esverdeados. Meu coração gela assim que os vejo. Olho em volta, procurando por alguém que também estivesse se sentindo desconfortável com aquela presença, mas todos estão vidrados, maravilhados com a visão. Os jovens bonecos seguem a menina da frente, calados como rochas, caminhando sempre em linha reta.
- Oi. - vejo uma menina do outro lado do corredor dizer, os olhos brilhando para as figuras.
Nenhum deles responde, apenas passam reto e ignoram-a. Simplesmente saio dali. Não sei dizer qual a razão de estar fugindo desta forma, mas... aquelas pessoas me passam uma sensação tão ruim, um pressentimento tão assustador, que tenho vontade de correr. Passo pelo grupo sem mirá-los com o olhar, tentando atravessar sua muralha de beleza. Eles se afastam um pouco, impassíveis, me dando a passagem. Abaixo a cabeça, cobrindo meu rosto com o cabelo castanho-escuro, e me apresso para passar logo. Então, quando chego na frente do grupo, quase alcançando a porta da sala de aula, ouço uma voz sussurrar:
- Achei você.
Levanto o olhar, chocada com a inexpressividade daquela voz. E é a menina de frios olhos azuis quem me encara. Novamente, congelo da cabeça aos pés.
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☆Obs: apesar de ser um livro do gênero fantasia, também possui romance.
Espero que gostem ♡.
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Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 1☆ "Pareciam bonecos em uma estante. Seus rostos, tão lindos, não tinham emoção alguma. Suas peles, tão brancas e sem marcas, pareciam porcelana. Seus olhos, tão multicoloridos, pareciam pingos de cor em uma tela vazia...