* Mudança no estilo de narrativa.*
Minha mente insistia em voltar para os olhos da menina. Eram tão vazios...
Apoiei meu queixo na mão, tentando manter foco na aula de artes. Mas era impossível, pois sabia que o garoto de cabelos brancos estava ali também. Todas as garotas suspiravam para ele, embora eu não conseguisse admirá-lo. Sua beleza era tão intensa e meiga, que não parecia algo real, algo vivo. E ainda havia uma outra questão que me atormentava: o que a menina de olhos azuis havia dito. Achei você, ela dissera. O que quer dizer?
- Turma, atenção. - disse o professor, ajeitando os poucos cabelos atrás da orelha - hoje, nós faremos uma releitura de Leonardo Da Vinci. - os protestos foram imediatos - acalmem-se! Vocês terão uma pintura de exemplo e três aulas disponíveis. É bastante tempo.
Todos se calaram, mas o desgosto continuava claro. O professor passou de classe em classe, distribuíndo as folhas em branco.
- Comecem por um rascunho. - falou, assim que entregou o último papel.
Olhei para o quadro, onde uma linda imagem da Monalisa repousava. Então, me debrucei sobre a mesa, sobre minha folha, tentando imaginar a mesma imagem que vi bem na minha frente. Peguei um lápis e iniciei um esboço fraco, traçando as principais linhas. Tentei fazer o melhor possível, forcei meus dedos a seguirem uma trilha perfeita. Mesmo assim, quando observei o resultado, vi novamente o quão mal desenhava.
- Hum... tente mudar a direção, Alessa. - o professor falou, me assustando ao espiar por sobre o ombro.
Mas é lógico que ele estaria ali. Nós tínhamos uma longa trajetória de tragédias da arte feitas por minhas mãos. Acho que ele devia ter até medo de me ver desenhar sem supervisão.
- Ahn... não, não. - murmurou, assim que tentei fazer como ele demonstrou - não, Alessa. Para o outro lado... outro lado.
Minha vontade era de rasgar a folha em um milhão de pedaços e jogar para cima, como confete. Mas não podia fazer isso. Continuei meu reverso de obra, tentando de todos os jeitos. A única maneira que me faltava agora, era desenhar de cabeça para baixo, para ver se melhorava.
- Que lindo! - ouvi uma voz mais atrás exclamar.
Um pequeno grupo de garotas se juntava ao redor do menino estranho. A mão dele deslizava firmemente, com uma graça espantosa. Ele estava na classe atrás da minha. Como assim?! Ele estava lá atrás!!! Fiquei estática, observando-o enquanto desenhava. O rascunho saiu lindo, perfeito até. Praticamente idêntico ao do quadro.
- Você desenha muito bem! - gritou uma garota, querendo se aproximar do outro.
Ela quase esfregou seus peitos na cara do menino, de tanto que se exibiu para ele, o decote gigante. Porém, ele ignorou todas ao redor, como se fossem fantasmas invisíveis. E elas começaram a ficar zangadas.
- Ei! Não vai falar nada?! - a menina dos peitos falou, pondo as mãos na cintura.
Então, ele levantou a cabeça. Seus olhos verdes e pretos escorregaram por todas elas, sem ver de verdade, até pararem em um ponto fixo. Porém, ele não olhava para qualquer uma das meninas que o elogiaram. Não, pelo contrário: suas pupilas pareceram dilatar-se, assim que seus olhos pousaram sobre mim.
- Alessa Fragnello... lindo nome. - falou.
Senti a cor se esvair do meu rosto. A voz do garoto era tão doce, suave e vibrante, que deixava sua aparência mais surreal ainda.
- Sabe o nome completo dela? - perguntou a garota dos peitos, irritada.
E isso me deixou mais gelada ainda. Como ele sabe meu sobrenome?
×××
Cruzei o estacionamento com pressa, pois uma garoa gelada começara a cair. Cobri minha cabeça com um caderno e corri para o carro. O dia de aula fora exaustivo e estranho, tanto que eu até estava afim de ir para casa e encontrar Antonella. Abri a porta de trás e sentei no banco de couro. Olívio, ao invés de conversar como normalmente, manteve-se calado.
A viagem de carro passou rapidamente, comigo olhando as gotas de chuva baterem na janela, cada vez trazendo mais intensidade e escuridão. Olívio saiu do carro, contornou-o e abriu a porta para mim.
- Tchau, e obrigada pela carona. - falei, e corri pelo pátio molhado.
Quase bati nos lindos arbustos trabalhados, tropeçei no barro da grama e me molhei ainda mais. Assim que cheguei na entrada de casa, o dia já havia escurecido. Deviam ser umas 18h, de acordo com meu relógio à prova d'água. Tirei minhas sapatilhas, coloquei-as ao lado do tapete de boas-vindas, torci meu cabelo até a maior parte da chuva sair e girei a maçaneta. Lá dentro era muito mais quente, com a atmosfera sendo controlada pela lareira na sala de estar.
- Como assim, Antonella?! - de repente, ouvi meu pai gritar, em meio ao silêncio pesado.
- Ora, meu querido. Você sabia que seria assim desde o momento em que disse "aceito" naquele altar. É um juramento que não pode ser quebrado. - a voz da mulher soava zombeteira.
Me aproximei da porta da cozinha, franzindo a testa. Era de lá que vinha a gritaria. Encarei uma empregada estática ali perto. Ela tremia muito, pálida.
- Você me enganou! Por que nunca disse que também fazia parte disso?! - o tom de voz de papai aumentava loucamente.
- Porque fazia parte do meu contrato de trabalho. Eu não poderia ter um mês livre daquele lugar se não tivesse aceitado todas as condições, que exigem sigilo até a confirmação sanguínea. E, ontem a noite, meu querido, você me confirmou que sua filhinha era fruto do único amor que tivera até me encontrar. O que significa que ela só pode ser filha de...
- NÃO OUSE MENCIONÁ-LA!!! - pulei no lugar com o grito ensurdecedor de meu pai. Assustada, colei o ouvido à porta da cozinha, querendo saber o que estava acontecendo.
- Ai, pare com essa besteira! - Antonella exclamou, mas eu podia sentir o sorriso em seus lábios - não é o fim do mundo. Você sempre poderá gerar mais filhos.
- VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO!!! - papai me assustou outra vez.
Pressenti que ele estava prestes a pular no pescoço de Antonella, então escancarei a porta.
- O que está acontecendo aqui?! - gritei, chocando todos.
Papai deixou o queixo cair, e a cor antes vermelho-viva de seu rosto sumiu. Porém, minha madrasta apenas aumentou o sorriso.
- Boa sorte com isso, Giovani. - ela desencostou-se da bancada, caminhando até onde eu estava - até logo, querida.
Acariciou meu cabelo demoradamente e saiu. Encarei meu pai, que não se movera um palmo.
- E então? - perguntei, confusa.
- N-na-da, fi-fi-filha. - ele gaguejava desta maneira - Antonella e eu apenas t-tivemos uma discussão.
Pude perceber na hora que ele estava mentindo.
- Sobre o quê? - perguntei, ainda mais impositiva.
- É q-qu-que... v-vo-cê. - ele simplesmente desabou.
- Pai!!! - corri até seu corpo inerte - Pai!!!
Por sorte, segurei sua cabeça e impedi que batesse no chão. Desesperadamente, verifiquei seu peito. Ainda estava respirando. Mas qual o motivo disso tudo?
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☆Trailer simplesmente perfeito feito por Stytompaylikran. Muito obrigada!!!!!!!! Eu amei!!!!! ♥♥♥
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Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)
Fantasía☆Sociedade Porcelana - Livro 1☆ "Pareciam bonecos em uma estante. Seus rostos, tão lindos, não tinham emoção alguma. Suas peles, tão brancas e sem marcas, pareciam porcelana. Seus olhos, tão multicoloridos, pareciam pingos de cor em uma tela vazia...