Quando estacionamos no jardim minha mãe já estava na porta a fim de saber das novidades. Eu não estava no clima para conversar, apenas lhe dei um beijo no rosto de boa noite e subi. Ela também não veio com interrogatórios para cima de mim, sem dúvidas meu pai ia explicar por altos o que houve. Joguei a mochila em cima da cama, os sapatos pelo meio do quarto, a janela estava aberta e o vento soprava tornando o ambiente fresco e agradável. Deitei na cama e peguei o celular, fiquei zapeando pela lista telefônica até parar naquele número novo. Fiquei tentado a ligar para ela. Talvez eu só estivesse enchendo minha cabeça com pensamentos produzidos pelo calor daquele momento em que me senti ignorado e deixado de lado. Tomei coragem e disquei...
- O número que você ligou está ocupado...
5 minutos depois...
- O número que você ligou está ocupado...
Mas que droga é essa? Nem pra ligar e explicar que merda foi aquilo?!... Foda-se... se ela quiser falar comigo, tem o meu número. Não é justo só eu ter que ir até ela.
Fui tomar uma ducha, tentar esfriar a cabeça... meu corpo estava cansado pela viagem, minha mente agitada já prenunciava uma leve cefaléia. Enquanto saía do banheiro ouvi o celular vibrar em cima da cômoda, uma ansiedade se apoderou de mim. Quem sabe não era ela? Corri para ver do que se tratava, mas na tela o número que estava ligando pertencia a uma outra mulher.
---------------------------------------------------
- Ok, mas...ela já está melhor?... Graças a Deus... não... foi tudo normal, nada de especial... estou bem sim, mãe... é impressão sua, não tem nada de estranho na minha voz... tá bem... boa noite.
Peguei o aparelho celular que estava jogado em cima da bancada da cozinha, o número novo gravado na memória era um dos poucos contatos que eu tinha. Disquei... a linha estava ocupada. Arrastei uma das banquetas e me dei a liberdade de raspar os últimos vestígios daquele sorvete de creme esquecido no fundo do congelador. Meu tornozelo ainda doía um pouco, porém o inchaço havia diminuído bastante, mesmo assim eu teria que usar a botinha por uma semana. Alguém tocou a campainha, no segundo toque eu já estava postada à porta. Fiz meu procedimento de segurança, era apenas o Fernando com uma panela de comida para mim.
Lhe dei espaço para que pudesse entrar e fechei a porta.
- Você tá melhor?
- Tô...eu acho...
- Bom, não quero ser chato... acho melhor eu ir para casa...
- Relaxa... é só uma torção leve, vou sobreviver...
- Não tô falando disso...
- Eu já liguei para minha mãe, está tudo bem.
Ele me olhou com uma expressão mais aliviada.
- Bom, eu vou...
- Tá bem, eu te acompanho...
- Não precisa... não se esforce muito... amanhã eu pego a panela...
- Você inda vai querer ajuda para estudar?
- Se você ainda quiser me ajudar...
- E por que não ajudaria?
-----------------------------------------------
Fiquei com a pulga atrás da orelha após aquela ligação, primeiro porque o cara ou garota...sei lá não se identificou, não falou nada... Eu hein, tem gente que não se manca o quanto é idiota passar trote nos outros. Mas enfim, como estava sem nada para fazer decidi criar coragem e arrumar a bagunça que estava no meu quarto. Comecei tirando todas as peças do guarda roupa inclusive os sapatos, para minha surpresa achei o par perdido de um dos meus escarpins e uma caixa cheia dos meus diários de adolescente. Sentei no chão com aquele baú do tesouro entre minhas pernas, haviam várias coisas dentro, fotos, fitas, cadernos, cartões de aniversário...lembranças de quando minha mãe era viva.
Separei os cadernos dos outros objetos e folhei-os. Desabafos, versos e desenhos enchiam aquelas páginas. Eu lia assim sem acreditar que aquilo tudo era da minha autoria. Nossa, como a gente muda quando cresce... naquela época tudo era difícil e complexo para mim, piorando quando perdi minha melhor amiga. Ela era apaixonada pela escrita e sempre me incentivou a fazer o mesmo e hoje estou aqui rindo das minhas ilusões amorosas da adolescência. Assim as horas foram passando e eu ali plantada no chão, lendo ávidamente... voltando ao passado através de minhas palavras.
---------------------------------------------
Quando cheguei em casa minha mãe estava vendo a novela das 9.
- E então? A mãe dela melhorou?
- Foi a avó que ficou ruim, e... ela disse que ligou e já estava tudo bem sim.
- É complicado esses negócios com o coração, uma hora você está bom e na outra já tá morrendo.
Ela olhava seriamente para mim, eu sabia que sua fala tinha um duplo-sentido...
- Pois é, mãe. Bom... eu vou ver uns livros, depois a Helena vai me ajudar com algumas questões.
- Vai dar tudo certo, filho... você é inteligente, esforçado...
- Epa, pode parar por aí com essa bajulação, rsrs....
Ela apenas sorriu e a deixei lá com suas novelas. Nesse mundo não adianta ser inteligente, precisa ser esperto e ter coragem para lutar por melhores oportunidades... nada cai do céu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Convergindo (Em Construção)
Genç Kurgu"...toda essa história começou há seis semanas atrás quando minha rotina continuava pacífica e monótona... aliás, eu já estava contando os dias para minha formatura, não porque estivesse empolgada e sim por querer me ver logo livre disso. Tão inocen...