O Princípio Fez-se (conto, fantasia)

90 6 2
                                    


Finas membranas se retraíram e o olho direito se abriu. Percebeu que figuras tomavam formas embaçadas. Abriu assim o olho esquerdo e contemplou a imagem à sua frente por completo.

Despertando-se totalmente da letargia, veio-lhe o primeiro pensamento.

"Não houve princípio."

E de fato não houvera.

Em seu âmago, germinou a primeira sensação, solidão, que se tornaria em uma vontade de buscar aquilo que a concebera.

A substância que preenchia todo o alcançável fluiu em uma leve corrente aquecida, fazendo seus membros se moverem suavemente em resposta. Tal entidade então notou que até ela mesma tinha uma forma e que, com ela, poderia interagir com esta imagem.

Desejou observar o seu flanco, e seu corpo respondeu. Os braços articularam, a apoiando em uma superfície branca. A entidade se maravilhou com tal habilidade; ela podia se mover e explorar.

Ergueu sua visão pelas grandes formações alvas que se espalhavam de modo aleatório em todas as direções e possuíam as mais variadas posições e tamanhos, como encaixes de algo muito maior.

Algo chamou sua atenção. Pequenos pontos pálidos brilhavam em tonalidades distintas logo acima dela. Desejou alcançá-los e viu que podia de impulsionar para aquele caminho. De seu tronco se segmentava uma longa cauda, azul, o mesmo tom do restante de seu corpo. Nadou até onde almejava e admirou os brilhos de perto. Tocou neles e reparou que eles estavam encrustados dentro dessa parede branca. Só então percebeu o quão fria essa estrutura era.

"Gelo."

Mas a substância que ela nadava não era tão fria, e seu corpo era o oposto desse gelo, era quente, e viu que podia lentamente remodelar essas paredes com seu calor.

A entidade iniciou uma jornada por esse cenário vasto e randômico. Começou a dar nome para tudo o que era observável: as paredes, a substância, a temperatura, sua visão, o toque. E, por fim, notara que ela mesma não possuía um nome. Imaginou em algo que soassem bem em seus pensamentos e chegou em uma conclusão.

"Nindýu. Eu sou Nindýu."

E se alegrou com isso.

Na busca do que a gerara, Nindýu catalogava em sua mente cada foco de luz brilhante que podia ver. Os tons se repetiam raramente. Nadou por pináculos congelados gigantescos e circundou pilares que pareciam ser colunas de sustentação da megaestrutura que habitava. Chegou em um local de formações diferentes com luzes muito belas, onde não podia dizer se as protuberâncias gélidas estavam se erguendo ou escorrendo, pois nada ali indicava onde era baixo e cima. Nada mais indicava a sua mente que seu corpo era direcionado para algum lugar, então, simplesmente parou no meio da substância, se sentindo completamente leve.

"Aqui é tão especial. Deve ser o centro, o Coração."

Incontáveis estalactites de diversos tamanhos despontando para todas as direções, circundavam Nindýu, mas todos ficavam muito afastados. Ela escolheu aquela paisagem espaçosa, tão iluminada, para ser onde repousaria. Envolveu sua comprida cauda em si mesma e adormeceu confortável, em plena calmaria.

E um incontável tempo se passara.

Profundamente sonhou, e seus sentimentos se tornaram mais claros. Não era a busca pelo sua origem e seu criador que acabaria com a sua solidão, era a possibilidade de criar outras inteligências para acompanhá-la. Sonhara com o dom da criação.

RandômicosOnde histórias criam vida. Descubra agora