A Esfera Comum (degustação)

Banida para a Esfera Comum

A sala onde o grande sábio se encontrava era escura, exceto por velas dispostas ao seu redor em formato de círculo. O homem, que até então eu apenas tinha visto em fotos, tinha uma longa barba cinzenta e trazia um pano vermelho com detalhes dourados enrolado à cabeça. Seus olhos eram amedrontadores, como se pudessem enxergar o fundo de minha alma, verificando cada milímetro do meu ser em busca de algo errado. Engoli em seco enquanto um dos guardas me levava até o local onde eu devia me sentar em frente a ele. O sábio baixou a cabeça e encarou suas pernas cruzadas por um longo tempo. Parecia até que estava dormindo, mas devia ser algum estado de transe, ou sei lá, a forma como ele via nosso futuro. Enquanto eu esperava em silêncio, sentindo o coração disparar e minha confiança escorrer para fora de meu corpo, perguntei-me pela primeira vez se era certo colocar nosso destino nas mãos de uma pessoa. Sabia que ele não era qualquer pessoa, e sim um ser humano dotado de habilidades que eu jamais teria, mas ainda assim me perguntei se era justo deixá-lo dizer como eu viveria a minha vida daqui para a frente.

Estava perdida em meus pensamentos quando ele ergueu o rosto e me encarou. De repente, todas as velas se apagaram como num passe de mágica e a sala ficou completamente escura. Arrepiei-me e me encolhi enquanto pensava em como isso tinha acontecido, já que não havia vento e nenhum de nós tinha se movido. Será que fazia parte do ritual ser assustada dessa forma? Annora disse que era algo breve e simples...

"Você senta em frente ao grande sábio, ele reflete por alguns segundos e então sorri e diz que você é digna de permanecer na Esfera da Felicidade." Eu tinha repassado mentalmente mil vezes o que ela havia me dito no dia em que foi aceita, mas o que eu estava vivendo nesse momento parecia muito diferente.

— Você pertence à família Conne, certo senhorita? — o sábio falou pela primeira vez e sua voz era um tanto grave.

— Sim senhor — respondi curvando minha cabeça de leve.

— Seus antepassados têm sido parte da Esfera da Felicidade por muito, muito tempo...

Enquanto ele falava, sentia como se estivesse mais refletindo do que falando comigo, como se eu fosse invisível e ele estivesse lidando com seus próprios pensamentos. Não era bom, nada disso era bom, embora eu continuasse dizendo a mim mesma que tudo daria certo no final.

— É um destino muito cruel para uma garota tão bondosa...

Apertei a barra de meu vestido e respirei fundo.

— Eu serei banida? — Tomei coragem de perguntar.

O sábio me olhou nos olhos e havia tanta desesperança que, mesmo na penumbra, eu conseguia ver e sentir em meu coração. Não, isso não podia estar acontecendo.

— É muito pior, querida. — Notei que ele perdeu o equilíbrio enquanto falava, como se o próprio estivesse atônito com o que tinha visto em meu futuro. — Mas sim, seu destino não é aqui.

Respirei fundo e soltei devagar a barra de meu vestido, tentando entender o que estava acontecendo. Parecia um pesadelo, daqueles bem ruins em que você sente um enorme alívio quando acabam. Eu não podia ser banida, era impossível.

— O que pode ser pior do que ser banida?

O sábio suspirou e pediu para que as velas ao redor dele fossem acesas. Uma a uma, as chamas iluminaram o ambiente, permitindo-me ver seu rosto sombrio com clareza. Quando se dirigiu a mim novamente, toda a sua compaixão havia desaparecido.

— Você precisa deixar a Esfera em vinte e quatro horas, senhorita. — Ele me olhou sem piedade. — Nós nos encarregaremos de guiá-la até uma universidade na Esfera Comum.

Havia milhares de coisas que eu queria saber, que queria perguntar, mas os guardas me pegaram pelos braços e me tiraram da sala antes que pudesse dizer qualquer coisa, deixando-me com uma porção de questionamentos em mente. Do outro lado, a claridade cortou meus olhos por um instante, enquanto os guardas gentilmente me colocavam para fora, fechando a porta atrás de mim. Um segundo depois, Finn se materializou ao meu lado, saltando enquanto pegava em minha mão.