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"O tempo não cura, só adia a ferida da alma."


Armas e rosas. A fragilidade das pessoas no mundo, a falta de controle perante as crises, colocam em xeque a construção de anos e anos de estabilidade. Mas o jornalismo tem um toque sutil de se aproveitar dos momentos ruins e fazer do inferno uma arte. As pessoas não estão interessadas na solução, é mais fácil falar e reclamar. Aos que veem os problemas como fonte inesgotável de oportunidades o momento era um prato cheio. Era isso no que Nina se concentrava e buscava a cada dia. Com o distanciamento de Maurício e os toques de ironia da vida, cada dia focava mais nas matérias que executava. Simples e rápidas, atingia as metas dos dias, porém, sua mente não se desligava de algo grandioso, como a investigação do aliciamento de menores. Mais que trabalho, fazia parte da vontade de entender como ninguém fazia nada. São crianças, porra! Decidiu usar as cartas que tinha na manga, estava na hora de ir no ponto crucial do problema. Seguiu.

Ao checar alguns e-mails, um em específico chamou sua atenção. O título saltou aos olhos e a fez pensar alguns minutos sobre. "A vida é mais que um pacote de bala." Ela tinha costume de enviar e-mails pra si mesmo para não esquecer das coisas mais importantes, e aquele e-mail era fruto de uma das paradas no farol, o pacote de bala vinha com um pequeno papel com uma mensagem. Normalmente era mensagens da Bíblia para motivar, alguma brincadeira para tirar um sorriso ou até mesmo um relato pessoal para ajudar a convencer aos motoristas comprarem as balinhas. Mas naquele dia não. A frase era direta e triste: "A vida é mais que um pacote de bala, mas da vida só me resta isso. Pode me ajudar? Apenas R$ 1,00." Aquilo foi como um soco no estômago, uma criança de mais ou menos 9 anos, uma vida inteira pela frente ter aquele pensamento, sem perspectiva alguma de um futuro promissor era de chocar o coração. Essa frase foi tão forte para Nina, que teve que escrever em outro papel e guardar em sua gaveta. A vida é mais que um pacote de bala, a vida é mais. Será que esse é o único caminho a ser trilhado por várias crianças com menos recursos financeiros? Qual a maior motivação disso? Em choque! Ao descer a página do e-mail, percebeu ter uma foto em anexo, e não há nada melhor para relembrar de um momento que uma foto para captar todos os mínimos detalhes do fato ocorrido. As lágrimas desceram no seu rosto. A foto era do menino das balinhas, uma criança sem muito brilho nos olhos, apática e triste. "A vida é mais que um pacote de bala." Não para ele. Não para muitas crianças.

Desde que o mundo é mundo, existem as injustiças gritantes aos olhos de quem tem compaixão. Não seria diferente agora, a não ser que todos quisessem mudar esse cenário. Ainda assim, se todos quisessem, demoraria muito tempo para tudo se encaixar. Mas algumas coisas são inadmissíveis, ainda mais tratando-se de crianças. Nina decidiu arriscar e fazer alguns contatos. Procurou alguns comerciantes próximos aos locais de maior concentração de crianças no semáforo. Na hora do descanso, sempre paravam nos restaurantes próximos para pedir um pouco de água, nas lojas para admirar as roupas na vitrine e principalmente onde havia eletroeletrônicos com as Tvs enormes e vídeo games da moda. Sonhar ainda não custava nada, desde que não atrapalhasse a hora do trabalho. Ela pensou que podia encontrar algo interessante nesses locais próximos aos cruzamentos. Com sua experiência, tinha absoluta certeza que as pistas encontram-se nos lugares mais impróprios ou inesperados. Fez alguns contatos rápidos com os dados achados na internet mas não encontrou nada relevante. Porém, jornalista tem faro e estava mais que claro que o buraco era mais fundo. Decidiu conferir pessoalmente estes estabelecimentos e lojas, talvez conseguisse algo interessante que levasse a alguma coisa.

Alguns relatos sobre o caso eram interessantes: Quando o motorista recusava comprar as balinhas e estava em um carro comum, as crianças reagiam com cara triste e desolada. Quando o motorista estava em um carro novo e de luxo, as reações eram agressivas insolentes. Era até plausível, com um carro de mais de 50 mil reais não teria míseros dois reais para ajudar? Os vidros fechados respondiam a indiferença com que elas eram tratadas. Não importa a condição social, violência é violência, assim como descaso era descaso. Após perguntar em alguns estabelecimentos das redondezas, restaurantes, bares e salões de beleza não tinham o que falar. É. Não que não quisessem, ou porque muitos não importavam com a situação, mas a lei do silêncio parece perpetuar em muitos casos. Desanimou mais uma vez. Decidiu subir a rua para pegar o metrô e ir embora. Até que avistou um vendedor de Cd's e Dvd's próximo a uma banca de jornal. Quem venderia Dvd's de filmes na época em que tudo é visto através da tela do celular, que leva em um pen drive a história de toda uma vida? Isso chamou a atenção de Nina, então resolveu perguntar para esse vendedor sobre sua matéria-prima de venda e talvez sobre as crianças que ficavam nos semáforos.

Nina, livre para morrer!Onde histórias criam vida. Descubra agora